William Carvalho cresceu em Mira Sintra e cresceu muito depressa: com cinco anos de idade já jogava com miúdos de onze e doze anos. Habituou-se a ser forte no futebol de bairro, ganhou maturidade e tornou-se um rapaz difícil de impressionar.

Jean Paul acompanhou-o durante anos: o antigo coordenador da formação do Sporting diz por exemplo que William sempre teve «um perfil psicológico muito bom». «É muito humilde, ágil a aprender, disponível para o trabalho, tem uma dimensão psicológica muito boa.»

Luís Gonçalves foi treinador da formação leonina e recorda que William «sempre teve frieza a jogar, não se deixa atemorizar por ambientes difíceis e exibe-se com enorme lucidez».

É o tal perfil psicológico muito bom que Jean Paul indicava. «Quando chegou ao Sporting tinha 14 anos, mas optámos por colocá-lo num escalão acima, na equipa sub-16: tinha uma maturidade acima da média para a idade, para além de ser fisicamente forte.»

Não os surpreende por isso que se tenha imposto em Alvalade: dizem que só precisa de uma oportunidade.

O rapaz que nunca se metia em confusões

Daniel Duarte conhece-o desde os quatro anos: é pouco mais velho e continua a ser o melhor amigo do trinco do Sporting. Cresceu no mesmo bairro e partilhou com ele o balneário do Mira Sintra.

«Quando jogávamos na rua, ele tinha cinco anos e já jogava com rapazes sete e oito anos mais velhos. No Mira Sintra andava um escalão acima da idade. Nessa altura jogava a número 10.»

«Sempre foi um rapaz calmo, humilde, um exemplo a seguir no balneário do Mira Sintra: era o melhor, mantinha comportamentos muito pacíficos e nunca se metia em confusões. Por isso os outros miúdos tinham uma tendência para o imitar.»

Sete anos depois, William Carvalho impôs-se na equipa principal do Sporting e bate às portas da seleção nacional. «Anda muito contente e muito motivado. Felicissímo da vida», diz Daniel Duarte.

«Quando recebeu a notícia de que ia fazer a pré-época com o Sporting começou logo a fazer a pré-época dele: corria, fazia exercícios, tentava preparar-se para agarrar a oportunidade.»

Quem o conhece diz que é assim: um trabalhador incansável. Ricardo Moura foi treinador de William Carvalho no Fátima, na primeira experiência do trinco no futebol sénior, e recorda um miúdo «que era sempre o primeiro a chegar aos treinos e fazia muito ginásio para ganhar músculo».



Ora por isso Jean Paul e Luís Gonçalves não têm dúvidas: quando chegar à seleção nacional, vai impor-se. «Estou convencido que vai ter uma oportunidade em breve e que vai ficar lá por muito tempo», diz o primeiro.

«Prevejo que a partir do momento em que tiver a oportunidade vai tornar-se o trinco da seleção por muitos anos», acrescenta Luís Gonçalves. «Não vejo um jogador em Portugal que reúna todas as características dele: passa bem, curto ou longo, com ambos os pés, tem excelente tempo de decisão, boa visão de jogo e tem algo raro nos trincos portugueses, é forte no jogo aéreo. Não é fácil encontrar um jogador com quase 1,90 metros com a qualidade de passe dele.»

Os dias em que chegava a casa às dez da noite

A vida de William Carvalho nunca foi construída em cima de favores, de resto: sempre foi uma corrida com obstáculos para transpor.

Quando o treinador Nuno Lourenço o descobriu no Mira Sintra e o levou para o Sporting, depois do trinco recusar mudar-se para o Benfica por ser sportinguista, William Carvalho fez das tripas coração para perseguir o sonho de ser jogador de futebol.

«Ele continuou a estudar em Mira Sintra e treinava em Alcochete, todos os dias tinha de apanhar vários autocarros e só regressava a casa depois da dez da noite», diz o amigo Daniel David.

A partir do segundo ano mudou-se para uma escola em Alcochete: mas não abandonou a casa dos pais. «Ele tem uma família muito estável e isso foi fundamental na formação do carácter.»



O amigo lembra de resto que os dois anos passados na Bélgica foram muito importantes. «Cresceu muito como pessoa. Ele chegou lá a meio da época, em janeiro, encontrou algumas dificuldades mas nunca o ouvi falar em desistir. Pelo contrário: sempre esteve muito focado em aproveitar.»

«Fui visitá-lo algumas vezes e quando cheguei lá já cozinhava, coisa que em Portugal nunca tinha feito, por exemplo. Foi muito importante para ele e a verdade é que foi feliz», conta Daniel David. «Foi a primeira vez que esteve longe da família.»

William Carvalho foi substituir Renato Neto, que tinha sido reclamado por Sá Pinto, e o Sporting não hesitou em interromper a cedência ao Fátima após quatro meses para o enviar para a Bélgica.

«Toda as cedências ao Cercle Brugge foram muito bem sucedidas. Ele cresceu sobretudo como homem. Foi importante para ele fazer a vida sem o apoio próximo da família», revela Jean Paul.

Mais Henry do que Vieira e a camisola de Lucho

Por isso quando Leonardo Jardim gostou do que viu em vídeo e o chamou para fazer a pré-época, ninguém teve muitas dúvidas que William ia agarrar o lugar. Fê-lo com enorme autoridade, tornando-se então incontornável no onze leonino.

A partir daí sucederam-se os elogios e o reconhecimento do talento. Sucederam-se também as comparações com Patrick Vieira, que nem sempre são completamente justas.

«Ele tem muito melhor qualidade de passe do que o Patrick Vieira», sorri o amigo Daniel David. «Ele é fanático do Arsenal e o ídolo dele sempre foi Thierry Henry. Gosta do Vieira por jogar na mesma posição, mas o ídolo dele era o Henry.»

Há de resto um outro pormenor curioso: William Carvalho começou como número 10 e no Sporting jogou a 8, até por fim se tornar trinco. Chegou a passar pelo centro da defesa, mas tornou-se trinco: um trinco com grande qualidade técnica.

Por isso gosta de jogadores saibam tratar a bola: Henry, claro, e até Lucho González.

No último clássico no Dragão, por exemplo, William Carvalho fez questão de falar com Lucho à saída para o intervalo para ficar com a camisola do jogador do FC Porto. No final do encontro, Lucho não se esqueceu.

«Não é que faça coleção de camisolas, nem algo do género. Apenas gosta do futebol de Lucho.»

Lucho também parece gostar do futebol de William Carvalho e por isso não se esqueceu do pedido: quis até trocar as camisolas. O futebol do trinco leonino ganha cada vez mais reconhecimento: nos adeptos do Sporting e nos adversários.

A seleção será portanto uma questão de tempo.