Estávamos em agosto.
O Benfica ainda gritava «Tetra! Tetra! Tetra», apontando para o escudo. Os rivais gritavam «Treta! Treta! Treta!», apontando para um email. O Benfica era euforia. Benficaaaaaaa, Benficaaaaaa, Benficaaaa, dá-me o 37! Mesmo sem o Edersooon. E sem o Lindeloooooof. E o Nelson Semedooooo. E o Mitroglouuuuu. E com o Douglaaaaaaas. Caía a Supertaça, caía o Chaves em cima da hora, caía o Belenenses, caía o Benfica em Vila do Conde. Um percalço.
O Sporting era cirúrgico. Nos reforços e nas Vitórias. 2-0 nas Aves, 1-0 ao V. Setúbal, 2-1 ao Estoril e 5-0 ao V. Guimarães para destoar. O mundo sabia que o Coentrão já não era um lateral doente e daria o seu melhor para ver o Sporting sempre na frente. Iria onde o joelho o deixasse e, sem receio, assinou-se o contrato. A Champions era um sonho, mas o sorteio um pesadelo.
O FC Porto triturava. Sérgio Conceição desenhava menos e gritava mais. A equipa defendia igual e atacava muito melhor: 4-0 ao Estoril, 3-0 ao Moreirense, 1-0 em Tondela e em Braga. Marega arrancava sorrisos no Dragão pela primeira vez. Era aproveitar a boa fase, riam os rivais, que também liam a sina: plantel curto, cai mais tarde ou mais cedo.
Estávamos em setembro.
Vinha a Champions que provava que o FC Porto não tinha pernas para aquilo, frente ao Besiktas, ou que, com jeitinho, até a podia ganhar, frente ao Mónaco. Sérgio Oliveira era a prova de que Conceição já estava a inventar, antes do jogo, e era um génio a revelar-se, depois. O Benfica também começa mal, mas é só outro acidente de percurso. Acidente a sério é o de Basileia, já sem Bruno Varela, que ficou no Bessa, tal como os três pontos, ganhos ao Portimonense porque deu para aguentar o 2-1.
O Sporting ganhava na Feira, à rasca, em Atenas com brilho...e à rasca, depois. Um dia haveria de não chegar: foi em Moreira de Cónegos.
E já estávamos em outubro.
O FC Porto era melhor, mas o Sporting aguentava o empate, que falhou em Turim e foi evitado, sobre a hora, em Vila do Conde. Fala-se em sonho possível na Champions. A norte, não se falava: hablava-se. Mucho. Tudo porque José Sá faz a Casillas o que nunca fizera ao suplente do Sporting, Salin: senta-o no banco. As vitórias abafam o ruído: 6-1 ao Paços, 3-0 ao Boavista. A boa fase de Marega, que já era para ter terminado, afinal dura. Os sorrisos rivais já são mais amarelos.
No Benfica procurava-se o caminho certo. Douglas buscava ser o novo Semedo, Svilar buscava ser adulto à força, a PJ buscava…qualquer coisa por aqueles lados. Uma coisa é certa, na Champions nada se encontrou: duas derrotas com o Man. United e a certeza que era preciso buscar algo mais. Um milagre mesmo.
E chegou novembro.
Mas não chegou o milagre. A Champions ficou na Rússia, onde Varela voltou a aparecer, mas a Liga mantinha-se firme com vitórias contra os Vitórias: 1-3 em Guimarães, 6-0 ao Setúbal. O lado azul era diferente: havia vida farta entre os milhões, havia vida curta e à última na Taça de Portugal, contra os de Portimão. Nas Aves havia menos vida: dois pontos para trás e os outros a esfregar as mãos. Não muito porque o Sp. Braga fez-se…à vida. E o Sporting agradeceu aos céus o ponto que conseguiu.
E veio dezembro.
O FC Porto era melhor, mas o Benfica aguentava o empate. O FC Porto era melhor e o Mónaco acabava goleado. O FC Porto era melhor e passava Marítimo, V. Setúbal, V. Guimarães na Taça e até a maldita Taça da Liga. A boa fase de Marega mantém-se. Já ninguém que não vista azul acha piada.
O Benfica corava de vergonha. Pior de sempre entre os grandes. Fora da Taça. Fora da Taça da Liga. Quartas-feiras malditas.
O Sporting crescia. Bilhete para a Liga Europa. Em frente na Taça. Em frenta na Taça da Liga. Quartas-feiras benditas.
E, por fim, janeiro.
O Benfica era melhor, mas o Sporting aguentava o empate. Outra vez arroz. Nenhum grande se ri do outro pela primeira vez em muitos anos.
O FC Porto lidera, ganha na Feira e ao V. Guimarães. Marega, ainda em boa fase, marca mais dois. Já ninguém se lembra qual era a graça à volta do maliano. O Sporting vai a seguir, com goleada ao Marítimo. O Benfica diz que não está assim tão longe e ganha em Moreira de Cónegos. O discurso fica menos equilibrado e mais engraçado. Conceição fala de coerência, Rui Vitória diz «quem diz é quem é», Jesus aplaude. Conceição prova que é, de facto, incoerente. Na mesma conversa diz que até discorda do diretor de comunicação mas fala de bonecos telecomandados que fazem de padre, algo que o outro já anda a dizer há largos meses.
E nós? Assistimos, claro. Com ou sem pipocas. Com ou sem cachecol. Com ou sem vontade. Porque o futebol português não é perfeito, mas é o nosso. E como o nosso não há mais nenhum.
A melhor parte? Ainda há mais quatro meses e meio disto. A cereja? Em agosto voltamos ao ponto de partida. Digam lá que não é fantástico?
«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.