Vi Ronaldo, qual Fenómeno, renascer das cinzas, recuperar os joelhos e os golos, dominar o Oriente e provar que até com um penteado ridículo se pode ser adorado.
Vi Di Matteo, sem passado nem futuro, erguer a Liga dos Campeões com um Chelsea remendado em casa do poderoso Bayern.
Vi Thuram empurrar a França para a final com os únicos dois golos da carreira.
Vi Vardy e Mahrez transformarem uma luta pela manutenção numa festa de título.
Vi Eder acertar o pontapé de uma vida, comover uma nação, decretar um feriado e, por que não, dar um pouco mais de justiça a um país que ama a bola como poucos.
Vi Zidane, Henry e companhia vergados pelo debutante Senegal, tombados de vez mais tarde e transformados num campeão do mundo a zeros. De pontos e de golos.
Vi Abílio, Nené e Detinho empurrarem o Leixões para uma final da Taça de Portugal perante um Sp. Braga de boca aberta.
Vi Letchkov deixar a Alemanha pregada ao solo enquanto voava para a glória e arrasava a campeã do mundo.
Vi Pena passar a dar pena.
Vi Beto encostar o Man. United.
Vi Kelvin ajoelhar Jesus.
Vi o Paços de Ferreira na Champions.
Vi o certo passar a dúvida, transformar-se em pouco provável e acabar por falhar.
Vi o impossível crescer a ponto de ser por demais evidente.
Senti, várias vezes, o sabor a ideia já vista, ainda que invariavelmente bela de seguir. Agora, outra vez, sinto o sabor a fresco. Chama-se Moussa Marega. Disto, confesso, não me lembro.
Passar de unanimemente inútil a unanimemente imprescindível, mesmo que, claro, nunca se agrade a todos, é mais uma página para a história do desporto que mais belas palavras escreve.
Marega não é apenas mais um patinho feio que virou cisne ou, mais ainda, nunca será alguém que num momento feliz tomou a decisão certa. É mais do que isso, porque, ainda hoje, há imensa dificuldade em perceber o fenómeno.
Continua igual, com virtudes e defeitos intactos. Simplesmente, alguém, e honra seja feita a Sérgio Conceição, percebeu como podia capitalizar aquilo em que é ímpar e que para quase todos os outros nunca seria suficiente para merecer a confiança.
Começou a pré-época mais tarde e o treinador lembrou-lhe, publicamente: «Vai ter de correr atrás». Não se percebeu bem o sentido da ideia: era, para todos, óbvio que Marega estava atrás. Estaria sempre atrás. Era vender a quem pagasse algo que se visse. O treinador viu mais à frente, picou-o e colheu os frutos.
Os defeitos continuam lá. Visíveis. As virtudes também. Potenciadas. O valor, esse, subiu vários degraus.
Vi muita coisa no futebol. Bestas passarem a bestiais. Génios eclipsarem-se. David bater Golias. Tarik abrir uma avenida no Marselha. Miguel Garcia juntar Alkmaar ao apelido. Moretto ganhar duelos a Ronaldinho.
Marega, digo-te: história como a tua nunca vi.
Mesmo que um turbilhão mude o que parece o destino traçado de uma época, ninguém, para mim, representará tão bem a Liga 2017/18 como o maliano. É a figura da Liga. O que diz muito de alguém que dificilmente seria o melhor jogador de qualquer equipa. Provavelmente, nunca precisará de ser. E, provavelmente depois deste ano, pode tornar-se para sempre indiscutível.
«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.