«-É meu!
-É meu!
-É meu!
-É meu, eu quero!
-É meu, eu também quero!
-É meu porque cheiras mal da boca!
-Quem diz é quem é!
-O meu pai é polícia e bate no teu!
-Ok, é teu.
-É meu! É meeeeeeu! Vês? Agora é que vai ser! Vês que coisas espetaculares ele faz? Olha este truque? E este? E este? Ok, estou farto.»
Este é o resumo pueril da luta para contratar Rafa Silva ao Sp. Braga, entre FC Porto e Benfica, no verão de 2016. Um queria-o muito, o outro queria-o ainda mais. Não admira: não me recordo de um jogador fora dos grandes que parecesse tão talhado para o sucesso como Rafa depois daquela estonteante temporada no Minho, a última de três de alto nível.
O Benfica levou-o. Pagou 16 milhões de euros. E, mais de um ano depois, parece que ainda não sabe o que fazer com ele. Porque o «brinquedo» foi caro mas é bom, não tenho grandes dúvidas. A qualidade de Rafa não pode ser posta em causa. A sua utilidade sim.
Quando o contratou, o Benfica sabia o que estava a contratar? Precisava de um jogador assim? Estava financeiramente pujante a ponto de investir tanto num jogador que, até agora, não foi titular em metade dos jogos, se nos centrarmos unicamente no campeonato, desde que lá chegou?
Rafa é um exemplo, sublinhe-se. Porque me parece o mais óbvio nesta altura. Se a época passada já cheirou a desilusão, maquilhada pelo sucesso coletivo, este ano tudo vem ao de cima: um jogo apenas a titular na Liga, sete participações somando todas as competições. Dessas sete, o Benfica só venceu duas. Não joga para o campeonato desde 1 de outubro.
Todos os clubes estão sujeitos a falhar contratações e muitas das vezes por motivos que não controlam. Rafa nem era um caso como Depoitre ou Gabigol, onde a probabilidade de correr mal era infinitamente superior logo à partida. Rafa parecia um valor seguro.
Mas, das duas uma: ou Rafa não se adaptou ao Benfica ou o Benfica não se adaptou a Rafa. E aqui, naturalmente, ganha peso o valor pago.
Nos tempos que correm, pode um clube português investir 16 milhões de euros num jogador que não tem a certeza de ser um elemento decisivo para a equipa? Lembro-me que, há uns anos, o jogador mais caro do plantel do FC Porto era o seu lateral direito: Danilo. Mais uma vez sem colocar em causa o valor do atleta, até porque, ao contrário de Rafa até ao momento, provou-o no novo clube, há alguma equipa no mundo cuja estrela maior seja um lateral? É verdade que o futebol mudou muito, mas não era o lateral direito o tipo que sobrava para compor a equipa?
Portanto, se todos estão sujeitos a errar na hora de escolher, o critério deve ser muito mais apertado quando os valores em causa chegam para incomodar o cidadão comum. Numa recente entrevista ao Maisfutebol, Manuel Machado dividiu os jogadores em três categorias: os que parece que vão dar e não dão; os que não parece que vão dar e dão; e os que têm de dar.
Rafa, pelo que já mostrou e também pelo que custou, encaixa na terceira categoria. Tem de dar. Não faz sentido que o Benfica desista já dele, sob pena de ser visto unicamente como um capricho de 16 milhões.
PS- Ainda neste âmbito mas com moldes ligeiramente diferentes, é interessante seguir também e tentar perceber o porquê do papel cada vez mais reduzido de Óliver Torres no FC Porto. Começou a época a titular, perdeu espaço e parece, nesta altura, a última opção para o miolo de Sérgio Conceição. Em fevereiro, o FC Porto pagou 20 milhões de euros por um jogador que já conhecia muito bem e de talento inegável. Agora, senta-o no banco, curiosamente, ao lado dos dois jogadores de vencimento mais elevado do plantel: Casillas e Maxi Pereira.
«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.