O futebol da Coreia do Norte surpreendeu o globo no Campeonato do Mundo de 1966. Pak Doo Ik, o 7 de olhos em bico, tombou a orgulhosa Squadra Azzurra com uma única pancada. O Querido Líder aplaudia os seus heróis. Os mesmos que obrigariam Portugal a uma recuperação memorável, de 0-3 para 5-3, Eusébio como um Deus, terminando a saga norte-coreana.

Esse foi o aviso norte-coreano ao Mundo. No Império do Silêncio, há futebol. O tempo apagou a memória colectiva. A distância reduziu aqueles heróis a figuras praticamente mitológicas. Pouco se sabia sobre eles. E muito menos se sabe desde então.

Os heróis de 1966 regressaram à Coreia do Norte e cobriram-se com um manto de silêncio. Nada de novo, nesse aspecto. Em 2002, um realizador inglês (Daniel Gordon) juntou-se a um operador turístico com inusitado acesso a Pyongyang (Nicholas Bonner) para filmar O Jogo da Vida Deles (The Game of Their Lifes). Onde estariam aqueles homens?

Pak Doo Ik, o carrasco dos italianos, está vivo. Ele e mais seis jogadores. E um treinador. Apenas e só. O regime de Pyongyang garante que sempre acarinhou os heróis de 1966. Entre os desertores, surgem relatos de antigos jogadores marginalizados e encarcerados, como castigo pelo afastamento aos pés de Portugal. Não há provas. Fica este dado: a esperança de vida de um norte-coreano esgota-se aos 69 anos.

Middlesbrough não mais os esqueceu

Middlesbrough não faz parte da Coreia do Norte. Contudo, desde 1966, a população local não mais esqueceu a selecção asiática. A 19 de Julho daquele ano, naquela cidade britânica, a Itália foi surpreendida pelo adversário e pelo público. Sem ninguém perceber porquê, os frios ingleses torciam pelos pequenos e atrevidos coreanos. Até hoje.

Em 2002, os responsáveis pela película The Game of Their Lifes levaram os sobreviventes à estranha ilha de carinho criada no Ocidente. Middeslbrough voltou a abrir os braços para a Coreia do Norte.

«A equipa da Coreia do Norte foi recebida por 120 mil adeptos em Inglaterra, filmámos o evento e foi depois exibido aos coreanos em Pyongyang. E eles só pensavam: O quê? Ocidentais a aplaudir norte-coreanos? Que estranho. Mas tão aconchegante», recorda Nicholas Bonner.

O futebol em troca da música

Suzannah Clarke, soprano nascida e criada em Middlesbrough, recebeu os sobreviventes norte-coreanos com uma canção na língua oriental. Desde então, tornou-se presença regular em Pyongyang.

«Eu era embaixadora de Middesbrough em 2002, quando a equipa da Coreia do Norte veio cá para recordar a vitória frente à Itália. Eles disseram que o seu triunfo tinha sido alicerçado no apoio das nossas gentes. Receberam depois uma tremenda ovação no Riverside Stadium e cantei-lhes uma canção de amizade em coreano», recorda a cantora, em entrevista ao Maisfutebol.

A Coreia do Norte descobrira uma voz: «No ano seguinte, fui convidada a cantar na Coreia do Norte. Já estive lá seis ou sete vezes e tenho a certeza que Middeslbrough vai torcer pela Coreia do Norte no Mundial de 2010.»

Suzannah Clarke pinta um quadro inusitadamente agradável. «Tive de deixar o meu telemóvel no aeroporto, mas podemos fazer chamadas do hotel. Há restrições, mas passeei na capital à vontade e usei uma câmara de vídeo em todo o lado. O país sofreu muito com falta de comida, desastres naturais, mas as pessoas são muito acolhedoras», frisa.

Vídeo sobre The Game of Their Lifes