«O Meu Bairro em Botafogo» é o espaço de opinião do enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos de 2016. Pode seguir o jornalista Pedro Jorge da Cunha no Twitter.
Os olhos do homem tinham fome. O nosso jantar teve fartura. Uma noite, duas, três. Até os nossos corações enjoarem.
É só juntar as faustosas sobras de quatro refeições, pedir umas caixinhas e aliviar por uma noite a dor daqueles olhos de estômago vazio.
Não me custou nada, zero. Nem aos meus colegas olímpicos, Norberto Lopes (JN), Pedro Sequeira (DN) e Carlos Flórido (O Jogo). Um gesto simples, de boa vontade, num país que esqueceu os fundamentos de ser grande: ajudar quem precisa.
São dias de humor instável, estes no Rio de Janeiro. Como se a Cidade Maravilhosa sofresse de transtorno bipolar.
Na Zona Sul as maravilhosas praias de Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado, vistas para o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor lá no alto do morro, o Pináculo da Tentação. O Rio consegue ser extraordinário.
Lojas faustosas, chiques, gente bem vestida e carros potentes. Aparentemente imunes à miséria dolorosa que as rodeia, e não falo só das favelas, ou comunidades como os brasileiros gostam de dizer.
O Centro do Rio é particularmente alarmante. Há um sem abrigo enrolado em cobertores em cada passeio, em cada entrada de prédio. Jovens e velhos, todos sujos e esfomeados, uma história diferente coberta de barbas longas e cabelos imundos.
O que fazer por eles? Nós, viajantes e apressados, pouco podemos. Dar um prato de comida, uma embalagem das nossas sobras. Até soa a ofensivo. Não faz mal, fizemos por bem.
Os dias no Rio. Dão-me Usain Bolt de manhã, Rafa Nadal à tarde e Michael Phelps à noitinha, antes de me servir miséria e fome.
O Brasil é um gigante intempestivo.
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