«O Meu Bairro em Botafogo» é o espaço de opinião do enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos de 2016. Pode seguir o jornalista Pedro Jorge da Cunha no Twitter.

Ninguém escreve sobre futebol como Nélson Rodrigues escreveu. Ou Ruy Castro escreve. É o grau mais elevado da cultura linguística aplicado a um tema riquíssimo, principalmente se os apaixonados alvos da prosa (ou poesia) forem os clubes cariocas.

Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco da Gama, os quatro grandes, mas também Bangu, América, Madureira, Olaria ou Portuguesa do Rio. Todos nobres, todos orgulhosos.

Ora, nestes 14 dias que já levo de Rio de Janeiro, já me foi possível testemunhar de perto o extraordinário mundo que é este futebol. Personagens inacreditáveis para um europeu, passagens em jeito de fábula, algures entre a lenda ou o exagero, sempre contadas com convicção e um rodapé fixo: «cara, tô te falando!».

Tive a sorte de conhecer uma personagem, também ela, exuberante. Uma enciclopédia viva de memórias, relatos radiofónicos, Mundiais e Estaduais, um conhecedor empírico e divertido, enérgico e entusiasmado: senhoras e senhores, o meu amigo João Cláudio.

João é um flamenguista dos quatro costados e o fã número um de Zico. Fala-me do momento em que um guarda-redes foi tão enganado num penálti que «no dia seguinte nem apareceu na foto do jornal».

E fala-me da música cantada por Morais Moreira, Saudades do Galinho, em que se choram os domingos sem Zico no Maracanã. E João chora ao cantá-la.

«E agora como é que eu fico
nas tardes de domingo
Sem Zico no Maracanã?
Agora como é que eu me vingo
de toda derrota da vida
Se a cada gol do Flamengo
Eu me sentia um vencedor»

A minha favorita é outra. Ora anotem e tentem imaginar um carioca de gema a contá-la.

«O Zico era tão bom a marcar livres, cara, que certo dia um zagueiro adversário decidiu ficar de costas no momento do pontapé. ‘Ué, vira para a frente, rapaz! E salta’».  

«O rapaz não saltou. ‘Se eu ficar de frente não vou ver o golo do Zico, não. Prefiro ficar de costas a olhar para a baliza’. Zico fez golo e o zagueirão aplaudiu».

Leia os outros «O Meu Bairro em Botafogo»:

. 85 anos, a velhinha campeã olímpica

. O homem que trocou os golos pelo motel

. A Utopia da Impotência: dia de loucos no Rio

. Roque Santeiro: Rio-Caxias-Saracuruna-Pau Grande

. «É sentido proibido, mas não há problema. Vai devagarinho»