«O Meu Bairro em Botafogo» é o espaço de opinião do enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos de 2016. Pode seguir o jornalista Pedro Jorge da Cunha no Twitter.

«Dizem que Roque Santeiro ficou defendendo seu canto e morreu…» Abandono Pau Grande, um lugarzinho perdido na região serrana do Rio, e sinto-me impelido a voltar aos gloriosos anos 80, às noites em que a telenovela das nove era uma religião professada com vício e fé.

Roque Santeiro, sim, mas também Tieta do Agreste e, anos antes, o Bem Amado. Novelas criadas a partir de uma aldeiazinha brasileira perdida, num ambiente profundamente rural, aquele admirável e genuíno saloio, gentil e bem humorado.

Pensei, confesso, que esses locais fossem ficção pura. Pelo menos em 2016. Enganei-me. Existem e estão a escassos 50 quilómetros da esquizofrénica metrópole do Rio de Janeiro.

O Táxi sai do centro carioca, ladeia a Baía de Guanabara e sobe em direção a Caxias. Trânsito, sempre o insuportável trânsito, mesmo quando fazemos um desvio para a impronunciável Saracuruna, um aglomerado desconcertante de botecos, assembleias de Deus e lixo. Ah, o glorioso lixo, um tumor que corrói estes pequenos lugarejos.

Cãezinhos alimentam-se do lixo, urubus alimentam-se do lixo, cavalos alimentam-se do lixo. Estes subúrbios da Cidade Maravilhosa são… intrigantes.

À medida que o caminho da serra para Petrópolis se aproxima, a paisagem melhora. Seguimos para Imbariê e perguntamos por Pau Grande. Sim, o berço do eterno Mané Garrincha. Onde fica Pau Grande? Não há uma placa de sinalização, não há qualquer referência ao suposto museu do Anjo das Pernas Tortas.

Um ciclista Bafo de Bode aproxima-se e lança-nos o bagaço da manhã para os olhos. Um rapaz de cervejinha na mão e uma faca na outra trata da caça do dia. E diz que é já a seguir. Pau Grande, claro.

Perdemo-nos, desviamo-nos de cavalos soltos na estrada, seguimos um troço de caminho de ferro e Pau Grande está já ali, duas horas depois do Rio. E aí sim, a igreja e o adro deixam-nos a pensar que esta terra pariu um génio e cantou noites a fio a música que não me larga.

«Dizem que Roque Santeiro ficou defendendo seu canto e morreu…»

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