O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer», Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane.

Enquanto a Liga dos Campeões passa pela TV aqui no bar, navego até à Argentina.

Uma das pátrias mais importantes do futebol mundial, não fora ali que nasceu o homem chamado Diego Armando, Franco de mãe, Maradona de pai. Também foi por ali que a mesma mãe, La Boca, em Buenos Aires, deu à luz River Plate e Boca Juniors. A vida e os anos encarregar-se-iam de separá-los, como dois irmãos desavindos, que se odeiam.

Abro o Clarin:
Es que esa nube negra que se había posado sobre la cabeza de Carlos Bianchi, volvió a cubrir el horizonte del técnico más ganador de la historia de River.


Bianchi e Ramon Diaz. Dois homens, dois passados, dois presentes de Boca e River, respetivamente.

Woody, na cozinha, pede explicações sobre quem são: «Não são dois homens quaisquer. Se Boca e River são os clubes mais emblemáticos da Argentina, Bianchi e Diaz são os técnicos mais ganhadores da história de ambos», digo.

Enquanto o Manchester United sofre o segundo golo no Pireu e há palavrões e risos espalhados pelo bar, deixo-me levar pelo pensamento...

«E como os dois decidiram regressar ao mesmo tempo, Xeneizes e Millonarios encheram-se de esperança, olharam para trás e pensaram que tudo se podia repetir.

Os últimos torneios na Argentina [num, melhor o River, noutro, melhor o Boca] alimentaram essa ideia. Os títulos não chegaram, porém, e, neste Clausura, Xeneizes e Millonarios ocupam o 13º e o 15º lugar.

Mau, portanto.

Diaz não só ganhou pelo River, como ainda deu ao mundo Aimar, Saviola, Juan Pablo Angel, só para falar no ataque de um River fantástico e apaixonante.

Bianchi mostrou-nos Riquelme e Martín El Loco Palermo. Venceu Libertadores como ninguém, já agora. E ainda Intercontinentais.

No presente, o futuro de Bianchi e Diaz é assombrado pelos resultados. Boca e River sonham com jogadores passados e não leem os sinais.

Na Bombonera, um homem de 35 anos chamado Riquelme tem de alimentar a fé dos adeptos e salvar o treinador [venceu pela primeira vez nesta última jornada], enquanto se começa a olhar para o lado e pensar que também no Boca é necessário o retorno de ídolos como Fernando Gago ou Ledesma. Um mau exemplo a seguir, o do River.

Porque no Monumental voltou Cabenaghi e desespera-se por regressos de outros futebolistas que suaram a camisola millonaria e agride-se verbalmente [Saviolas, Aimares, Demichelis, DAlessandros entre tantos outros] quem não o faz.

Qualquer grande clube do mundo tem um problema quando começa a fazer regressar jogadores. Pior ainda se o faz a meio da época, para corrigir defeitos iniciais, ainda que eles pareçam ser a solução com um título no final da época, que deixa os adeptos em extâse. Mas fazer isso significa que não se conseguiu ver para lá deles, não se teve capacidade de regenerar, de evoluir. Porque isso custa, demora tempo. E tem de ser um processo contínuo. 

Só mesmo o currículo, e o respeito que há pelo Virrey e pelo Pelado, fazem hesitar os dirigentes, que ainda não premiram o gatilho. 

Bianchi e Diaz conhecem os clubes como ninguém. Vivem-nos. E podem assumir: «Somos Boca» ou «Somos River.» Talvez estejam mesmo na cadeira de sonho deles. Enfim, não há ninguém mais indicado para o lugar. Mas falta-lhes muito daquilo que os clubes antes ofereciam fora de campo. E isso não começou agora.

O nome, o currículo e o sentimento podem resolver muita coisa. Até imagino que Boca e River fossem piores sem eles. Mas nem mesmo o melhor treinador da história de um clube consegue acabar com crises, quando se percebe, se lê nos sinais [e aqueles não são os únicos], que elas são bem mais profundas do que aparentam ser.»

Acabou na Grécia, alguém leu os sinais no Manchester United?

O meu pub em Hammersmith» é um espaço fictício e de opinião do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter.