O meu pub em Hammersmith. Enquanto se bebe, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis. O consumo é obrigatório. As bebidas nunca são por conta da casa. Também se pode falar da NFL, mas se alguma vez disser «soccer», Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane


Um alemão aí de 70 anos fala-me ao balcão do Schalke-Dortmund, «provavelmente, a maior rivalidade na Alemanha». O Inglês com sotaque desperta o interesse dos britânicos que lhe estão ao lado. Dizem-lhe: «Mas não é tão grande como o Liverpool-ManUtd. Há um no domingo!»


 

O meu pensamento foi para o dérbi de Lisboa. «É um dia antes, é um dia em que Lisboa se divide, em que há irmãos de um lado e irmãos do outro», digo.


 

O alemão interrompe - Irmãos? Quem equipa Sporting e Benfica? - respondo. Lothar, assim se chama, sorri e atira - Vou contar-lhe uma história sobre o que é uma cidade dividida - Deixemo-lo contar, então.


 

«Herzogenaurach, já ouviu falar? É na Baviera, aí nasceram os irmãos Dassler, Adolf (Adi) e Rudolf. Foi nas traseiras da lavandaria da mãe que o primeiro começou a fabricar sapatos, depois de ter combatido na I Guerra Mundial. O pai trabalhava numa fábrica de calçado e ajudou-o. Mais tarde, o irmão Rudolf juntou-se a ele e fundaram a Gebrüder Dassler Schuhfabrik: Fábrica de Sapatos dos Irmãos Dassler.»


 

«Especializaram-se, nos Jogos Olímpicos de 1928 já calçavam vários atletas, mas foi em 1936 que deram um grande salto: o Jesse Owens foi a figura dessas Olimpíadas com ténis feitos por eles.»


 

«Como se sabe, na década de 30, Hitler subiu ao poder na Alemanha e os Dassler juntaram-se ao partido Nazi. Com o eclodir da II Grande Guerra, Rudolf foi recrutado, enquanto Adi trabalhou na produção de botas para a Wehrmacht


 

A guerra terminou com as consequências conhecidas e os ingleses no bar pareciam desconfiados, até porque o pretexto desta história foi um Sporting-Benfica.


 

«O Mundo nunca mais foi o mesmo após a II GG. A família Dassler também não, com uma cisão que viria a ter repercussões no futuro de Herzogenaurach.»


 

«Os motivos da zanga são um mistério, mas reza a lenda que Rudolf, capturado pelos americanos, foi denunciado pelo próprio irmão, que o terá acusado de pertencer às SS. A estação Deutsche Welle chegou a investigar o tema, mas sem apurar com certezas o motivo que levou à separação de Adi e Rudolf.»


 

«A fábrica de ambos partiu-se em dois. Adi juntou o diminutivo às três primeiras letras do apelido Dassler (Adi+Das) e fundou a própria companhia. Rudolf criou a dele e teve praticamente a mesma ideia que o irmão mais novo: nasceu Ruda, hoje é Puma.»


 

Enfim confirmou-se que estávamos a falar de quem veste Sporting e Benfica.


 

«A rivalidade entre as duas empresas foi enorme. Uma ficava numa margem do rio, a outra na oposta. Há um livro - Drei Streifen gegen Puma de uma jornalista holandesa, Barbara Smits, que contém muitos depoimentos. Ela própria conta: - As pessoas caminhavam sempre com os olhos no chão para ver o que calçavam os outros antes de iniciarem uma conversa - Ou seja, Herzogenaurach vivia uma rivalidade feroz. Ou se era Puma ou se era Adidas.»


 

Lothar continua: «As duas empresas cresceram e puxaram uma pela outra. Por exemplo, quando Pelé pede para atar as botas antes do início do jogo com o Peru, no Mundial de 70, foi porque recebeu da Puma uma quantia para o fazer. Foi um golpe publicitário brilhante!»


 

A pergunta impunha-se. O que aconteceu aos Dassler? «Nunca mais se falaram! Estão ambos sepultados no mesmo cemitério, mas em extremidades opostas!»


 

Enchi-lhe o copo da cerveja, e fiquei a saber que sábado, Sporting e Benfica vão vestir uma «pele» que carrega com eles uma história de separação tão grande como os dois clubes de Lisboa.