O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer» fica o aviso: Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane. Cuidado...

Enquanto os adeptos do Liverpool saram as feridas em copos de 568 mililitros de cerveja por causa do empate em Selhurst Park, Diego Simeone aparece na televisão para agudizar a dor dos que apoiam o Chelsea.

«Pode mudar-se tudo, menos de mãe e do clube do qual se é adepto.» A frase de El Cholo sobre o primeiro-ministro espanhol lembrou-me logo outra, de um filme argentino, El Secreto de sus Ojos. «El tipo puede cambiar de todo. (...) Pero hay una cosa que no puede cambiar. No puede cambiar de pasión.»




Simeone não nasceu no Atlético, mas encontrou no clube de Manzanares o mesmo sentimento que tinha e tem pelo Racing Avellaneda. «É surpreendente como os adeptos são parecidos, são seguidores fiéis e únicos na Argentina e em Espanha», disse o técnico há uns anos. E antes de voltar a Espanha como treinador: «Não sei quando, mas um dia vou treinar o Atlético (...). Tenho os meus sentimentos bem claros.»

Há sistemas, modelos e processos em campo que têm de ser trabalhados. O Atlético mostra tudo isso. Mas é o sentimento de Simeone que lhe dá o extra que permite ao clube competir com Real Madrid e Barcelona em Espanha e bater um irmão gémeo Chelsea na Champions League.

«Mourinho continua a ser especial para nós, mas os jogadores do Atlético jogaram mais por Simeone do que os do Chelsea por Mourinho.» Uma conclusão demasiado linear, talvez, de um adepto dos blues. É indisfarçável, porém, que os colchoneros seguem o treinador «até à morte». E parte da vitória em Stamford Bridge partiu daquela premissa. Porque Simeone é o Atlético, é personificação do batimento cardíaco dos adeptos.

El Cholo nunca lança o jogo no lado estratégico. O Atlético Madrid é, até, previsível no modo como se vai apresentar no relvado. Mas depois há todo um mundo que o diferencia dos adversários com quem compete. Porque ele sente o clube que treina como muito poucos no panorama europeu, no momento.

O Atlético é líder em Espanha, mas não por ter melhores jogadores que os rivais, é finalista na Champions, mas não por apresentar o melhor futebol da Europa. É tudo isto porque tem maior desejo que os outros, tem mais fome. Tem mais paixão. Porque tem um treinador que entende o clube desde o guarda-redes ao ponta de lança. Desde a bancada atrás da baliza até Neptuno. Porque, como é lema no Atleti, é ele que sonha acordado enquanto os rivais dormem.

O Atlético até pode perder a Liga e a Champions. Mas se assim for, que se reconheça a paixão de Simeone em janeiro de 2015, naquela gala da FIFA, mesmo que venha aí um Mundial.

Seria um prémio não só para ele e para os colchoneros. Seria um prémio para todos os anónimos apaixonados por um clube. Ou apenas pelo jogo. Seria prémio para todos os que, mesmo não sendo Atleti, sonham acordados enquanto os outros dormem. Numa modalidade que é cada vez mais negócio, talvez seja mesmo uma boa altura para se premiar a paixão.