O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer» fica o aviso: Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane. Cuidado...

Londres, domingo, 5 de outubro. Dia de derbies
 
E uns raios-de-uns-californianos a falarem-me do jogo dos LA Dodgers, enquanto bebem ginger beer.

B-a-s-e-b-a-l-l…!!! É coisa que não aprecio. Tal como o cricket, parece-me uma maior desculpa para ir beber uns copos e comer uns snacks a um estádio do que propriamente viver emoções. Em tudo diferente de um Chelsea-Arsenal, portanto. Ainda para mais, com José Mourinho e Arsène Wenger no banco.

O futebol tem uma coisa distinta de quase todas as outras modalidades, cujos minutos finais costumam ser o ponto alto do encontro: no futebol, o clímax pode surgir a qualquer momento. E o melhor é que nós só o percebemos depois.

O baseball é, assim, uma chatice ainda maior quando olhamos para o modo como se pontua. E seria ainda maior, não fossem as imensas histórias que as personagens que o fazem têm.

Como Earl Weaver.

173 centímetros de pessoa, 1,73 metros de um homem que foi tantas vezes irritante na Major League Baseball (é só ver o vídeo abaixo).



 
Já não sei quantas vezes José Mourinho foi expulso de um jogo. Tenho ideia de que Wenger deve ter sido apenas num par de ocasiões, uma delas por ter dado um pontapé numa garrafa de água, em Old Trafford. E aposto que a garrafa ficou bem melhor do que Bill Haller, o Umpire que Weaver, treinador dos Baltimore Orioles, maltratou durante o jogo com os Detroit Tigers (vídeo acima).

Earl Weaver fez aquilo em tantos jogos que foi expulso por 98 vezes ao longo da carreira!!! Duas delas antes de o próprio jogo começar, já agora!

José Mourinho disse depois do derby com o Arsenal que já tinha tido alguns maus comportamentos em campo. O que lhe fica bem admitir, como a Wenger ficou, mesmo que numa segunda instância, pedir perdão por ter empurrado o português.

Mas até José Mourinho parece um menino de coro comparado com Weaver, que tinha por hábito virar a pala do boné para trás, para ficar na cara dos árbitros quando lhes berrava.

E não foi com o empurrãozinho ao técnico do Chelsea que Wenger saiu do coro e virou diabo…

Entre os incessantes f*ck offs ao árbitro, Weaver atirou-lhe, em acesa discussão que um dia ia estar no Hall of Fame do Baseball. Haller quase que se ri, embora não o faça.

«Earl Weaver? Man, he won the World Series with the Orioles! His teams always finished first or second!», diz o adepto dos LA Dodgers - (na verdade, ouvi isto de um pivot de TV, num dos vídeos sobre Weaver).

É esta a memória que os americanos têm dele, de um treinador com a sexta melhor percentagem de vitórias na história da MLB e que em 1996 entrou para o Hall of Fame, como previra muitos anos antes.

No fundo, e apesar do caminho, é isso que um dia conta, seja num dos desportos mais aborrecidos do mundo, seja no maior de todos.

Os maus comportamentos serão apenas recordados como um traço, um anexo às vitórias.

Se a história se repetir como parece que se repete entre eles, é isso que, um dia, vai diferenciar Mourinho e Wenger, por muito que condenemos e critiquemos um empurrão ou um dedo no olho do adjunto adversário.

O que agora é incorreto e denunciável será parte da faceta. A dos vencidos nem se chega a contar.

Não sei se Mourinho e Wenger têm esta noção histórica. Se sim, é ainda mais grave quando o português se comporta mal; se sim, é ainda mais incrível como o francês não o faz quando tem «razões» para isso. 
 
Weaver despediu-se em 1982 dos Orioles (voltaria para uma temporada em 1986). Disse adeus num jogo que acabara de perder. Mas foi por ter ganho tantas vezes que o mandaram embora assim:
 


Noutra despedida, agora para sempre. Earl Weaver faleceu em 2013, aos 82 anos, num cruzeiro dos Orioles. E o que disse a Major League Baseball?

«Earl Weaver foi um brilhante homem no baseball, um verdadeiro estrategista no banco e uma das figuras-chave na rica história dos Baltimore Orioles, o clube que ele levou a quatro títulos da American League e à vitória nas World Series em 1970. Tendo conhecido Earl ao longo de toda a minha carreira, tenho muitas boas lembranças dos Orioles e os [Milwaukee] Brewers a degladiarem-se como rivais da American League Este [divisão]. O seu estilo como manager provou que Earl era um visionário, com muitas pessoas no jogo a adotarem a sua estratégia e técnicas, anos mais tarde. Earl era bem conhecido por ser uma dos personagens mais pitorescas do jogo, com uma sagacidade memorável, embora também estivesse entre os mais fiéis da modalidade. Em nome da Major League Baseball, envio as minhas mais profundas condolências à sua mulher, Marianna, à sua família e a todos os fãs Orioles»

No discurso do Comissário da MLB, 98 expulsões de Weaver foram resumidas a quase nada.  Mourinho corre o mesmo risco, mas repito: será que ele e Wenger sabem?