O título de campeão do mundo de boxe pesos-pluma da WBO (World Boxing Organization) foi disputado nesta madrugada de domingo (na hora portuguesa). Orlando Salido ganhou o combate e recuperou o cinturão que já tinha envergado uma vez. O pugilista mexicano venceu o combate do título ao sétimo assalto por K.O. técnico. O derrotado foi outro Orlando; Orlando Cruz. Mas é dele que se fala mais. Desde há um ano. Desde que o porto-riquenho assumiu em público a sua homossexualidade.

Orlando Cruz perdeu o combate deste título, mas é o seu nome que aparece (sempre) nos títulos (ou como o sujeito principal) dos media online – como apareceria se tivesse sido ele a ganhar. Meios de comunicação escolhidos ao acaso. (A pesquisa também foi condicionada pelas palavras orlando cruz title fight, mas outras palavras não decobririam outros títulos.) Os títulos já lá estavam: «Cruz falls short in attempt to make history as Salido wins tittle...» («Cruz falha expectativas na intenção de fazer história enquanto Salido ganha o título...»), no «Daly Mail»; «Salido spoils Cruz`s story with TKO» («Salido estraga a cena de Cruz com um KOT») no «ESPN»; «Orlando Cruz, Gay Boxer, Loses In Title Fight Shot» (Orlando Cruz, pugilista gay, perde em combate para o título»), no «Huffington Post»...

Como nas vésperas do combate se noticiava que o primeiro pugilista que se assumiu homossexual ia lutar para o título. Como já neste domingo o «Globo» titula que «Orlando Cruz escuta gritos homofóbicos e perde luta por cinturão» ou o «ESPN» refere que «Cruz, apesar da derrota, foi saudado como um herói por muitos por ter surgido como um pugilista gay num desporto tão macho».

Esta luta começada há um ano parece estar a ser ganha por Orlando Cruz, que reconheceu a homofobia de que foi alvo no seu país de nascença, mas está longe de estar finalizada. O casamento com o seu namorado já está previsto para realizar-se em Nova Iorque. Mas a sua intenção de adoptar crianças também não poderá fazer-se em Porto Rico, onde não é dada essa possibilidade a casais com pessoas do mesmo sexo.

«Qual a sensação de um gay dar-te uma tareia?»

O combate da vida reiventada de Orlando Cruz dá passos, mas de um conjunto de muitos. E já lá vão os tempos em que, no ginásio onde treinava, um dos pugilistas o provocou chamando-lhe «maricón». O resultado neste caso foi um combate entre os dois. E depois de uma tareia pregada por Orlando Cruz no adversário seguiu-se a resposta à provocação inicial. «Estás a falar comigo? Qual é a sensação? O raio de um gay a dar-te uma tareia?», contou numa entrevista ao «The Guardian» há cerca de um mês.

Depois, até acabaram por ficar amigos. E esses tempos já lá vão, de facto. A luta de Orlando evoluiu. Os títulos dos media acontecem por razões muito concretas. Orlando Cruz assumiu que, depois de ser o primeiro pugilista a declarar-se publicamente como homossexual, quer ser o primeiro pugilista homossexual assumido a ganhar um título de campeão.

E foi assim que se preparou para o combate. E foi assim que entrou no ringue, com uns calções que são uma saia e que em vez de exibirem as cores de Porto Rico tinham a bandeira arco-iris adotada por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Transgéneros (LGBT).

Em honra de Emile Griffith

Depois de ter ganho a «tranquilidade» no último ano e com os dois combates que lhe permitiram disputar o título com Salido, Orlando Cruz revelou a sua maior motivação. «Eu combato pela minha família, pelo meu treinador, por todos os que me escreveram do mundo inteiro desde que saí do armário, assim como pela comunidade LGBT», disse Cruz nessa entrevista ao jornal inglês.

Mas disse mais: «Todos cimentaram o sonho que construí. Mas quero dedicar este combate [o desta madrugada] a Emile Griffith. Ele teve de viver com o estigma de ser negro quando havia esse preconceito. Ele era gay. Ele sofreu um duplo preconceito – e o segundo era ainda pior porque ele manteve segredo durante tanto tempo. Ele era um bravo, um grande campeão, por isso quero dedicar o titulo mundial ao Emile.»

Emile Griffith foi um campeão mundial de categorias médias que marcou as décadads de 1960 e 70 tendo feito mais assaltos em combates para títulos do que os famosos Muhammad Ali e Sugar Ray Robinson. A sua maior fama começou em 1962, quando o pugilista norte-americano defrontou Benny «Kid» Paret. Depois do combate, surgiram os rumores de que o cubano lhe tinha chamado «maricón». O combate ficou famoso pela série interminável de socos com que Griffith ganhou o título e que deixou Paret em tal estado que acabou por morrer dez dias depois – o cubano saiu inconsciente do Madison Square Garden para o hospital e nunca mais recuperou a consciência até falecer.

Depois de muitos anos em que os rumores emparceiravam com a verdade, Grifith disse que nunca quis matar ninguém mas também fez uma confissão: «Persegui homens e mulheres. Gosto dos dois. Mas não gosto das palavras homossexual, gay ou maricas. Não sei o que sou.» Emile Grifith fez esta assunção pública em 2005, quando tinha 66 anos. Morreu em julho deste ano, aos 75. Orlando Cruz abriu os caminhos para os títulos aos 32 anos.