Aviso já que, no que diz respeito ao futebol, devíamos acabar com os pruridos linguísticos. Se há algo que nos entretém entre os jogos é podermos falar deles e aplicando aquelas palavras específicas que só fazem sentido num certo contexto. Noutro qualquer são pouco mais do que ridículas, mas aqui tornam-se essenciais.
Por isso mesmo, passo a usar o termo «parte-pernas» (podia dizer sarrafeiro, mas não sei até que ponto seria entendido em todo o país). Isto a propósito do que aconteceu no Mancheter United-Middlesbrough, em que o tal termo passou a ser intensamente utilizado por todos os que assistiram à entrada assassina de Emanuel Pogatetz sobre Rodrigo Possebon.
O que é aquilo?
Já vi o vídeo vezes sem conta e continuo sem conseguir encontrar uma resposta. Ou melhor, só um ser demente, sem qualquer noção dos limites físicos ou insensibilidade pelo próximo poderá ter aquela atitude. Sim, poderemos dizer que todos nós, lá dentro de campo, corremos o risco de fazer uma entrada destas, mas convenhamos que esta é demais.
Sem qualquer tipo de abordagem clubística, é claro que me recordo de situações similares que aconteceram nos relvados portugueses. Acho que nem é preciso referir nomes (se quiser pode fazê-lo na caixa de comentário), mas muitos foram os jogadores que transportaram alcunhas menos abonatórias pela intensidade das suas faltas, que muitas vezes transformaram colegas de profissão em politraumatizados à espera de fisioterapia.
Em Portugal, assim de repente, recordo-me da entrada de Rodrigo Alvim sobre Carlitos num Belenenses-V. Guimarães da épocas passada. O extremo até voou, mas o brasileiro só viu o amarelo, mostrado por aquele que viria a ser considerado o melhor árbitro da época, Jorge Sousa...
Os exemplos são muitos e continuam a chocar-nos. Dificilmente serão extirpados, porque o futebol também é risco, jogar no fio da navalha e esperar chegar sempre primeiro à bola antes de partir a perna alguém. Ainda assim, espero que a mão dura dos ingleses atire Pogatetz para a bancada durante uns meses, embora a punição ideal fosse aplicar a teoria da reciprocidade. Seria cruel, mas só a hipótese de isso acontecer levaria os «parte-pernas» a desenvolver a parte do cérebro que todos nós temos e nos impede de praticar estes actos de crueldade.
«Futebolfilia» é um espaço de opinião da autoria de Filipe Caetano, jornalista do IOL, que escreve aqui todas as quartas-feiras