Não há nada mais humano do que uma escorregadela. Uma boa escorregadela. Daquelas que incluem uma queda, algum embaraço e tudo a que temos direito.

Sente-se o chão fugir debaixo dos pés e fica-se completamente exposto.

Uma boa escorregadela é desarmante. É um momento da mais pura sinceridade.

São alturas como essa que nos fazem perceber que quando o chão nasce é para todos.

Por isso digo que não há nada mais humano do que uma escorregadela.

Há uns tempos, por exemplo, um vizinho do meu prédio escorregou três metros à minha frente. Os sapatos de verniz, provavelmente de sola gasta, não se seguraram perante a humidade do piso da entrada acabadinho de limpar.

Nesse momento não vi à minha frente o irritante que estaciona o Volvo V70 a ocupar dois lugares, nem o arrogante que responde a toda a gente com altivez.

Vi apenas um homem no chão. Que escorrega e cai quando perde o equilíbrio.

Escorregar é uma forma de nos humanizarmos. Nesse instante não há velhos ou novos, grandes ou pequenos, fortes ou fracos. Não há talentosos ou desajeitados.

Há apenas uma pessoa, uma dificuldade em lidar com a lei da gravidade e o chão.

Não há sequer gente tocada pelo dedo de Deus.

John Terry, por exemplo.

Eu pelo menos nunca mais vou conseguir vê-lo como uma pessoa distante. Inatingível como muitas vezes os jogadores parecem.

Para mim será sempre um gajo que escorrega.

Ao contrário da maior parte dos ingleses, nem precisa de não estar sóbrio para escorregar. Escorrega. Ponto final.

Escorrega nas situações mais embaraçosas. Quando mais gente está a olhar para ele. Nos momentos mais importantes da vida.

Escorrega na marcação da última grande penalidade da final da Liga dos Campeões.

Se não fosse uma pessoa insensível, até era capaz de soltar agora uma lágrima. O que o destino fez a John Terry foi uma demonstração de humildade comovente.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreverá aqui todas as quintas-feiras