«Danilo chegou a Portugal com algumas indefinições, porque queria ser médio. Andei a convencê-lo e perguntei-lhe se queria ser um lateral direito de topo mundial ou um médio como tantos outros.»

Vítor Pereira confirmou nas páginas de O Jogo o que foi sendo escrito ao longo de vários meses sem que tal fosse assumido por uma das partes.

Danilo não queria jogar ali e compreende-se: no fundo, ninguém quer ser lateral direito. Esta é a triste realidade da posição menos desejada no mundo do futebol. Sem ponta de exagero.

«Só há duas explicações para ser um lateral: ou és um extremo falhado ou um central falhado. Ninguém quer crescer para ser um Gary Neville». Jaime Carragher, ele próprio um lateral de recurso, colocou o dedo na ferida em setembro de 2013.

Acrescentaria a terceira explicação e a mais dolorosa: o médio falhado. Encaixo-me nessa categoria, tal como Danilo, recordando o penoso arranque de temporada nos juniores do Sport de Rio Rinto.

Ali estava eu, um fã confesso do futebol de Pep Guardiola, sem espaço no setor intermediário. Era o parente mais pobre de uma família constituída por playmakers de fino recorte e trincos de grande vergadura.

«Podes jogar como lateral?» O treinador definiu o rumo e encolhi os ombros: «pode ser».

Pense bem, caro leitor. Esqueça os guarda-redes, que aparecem devido a um código genético peculiar, com requintes de masoquismo. Há tipos que nascem para ficar na baliza mas ninguém pensa em ocupar um espaço lá atrás, colado à linha.

O lateral é o jogador mais afastado da baliza contrária, a que só chega em ‘slalom’. Quando os centrais sobem para lances de bola parada, ele fica na linha de meio-campo.

O lateral é aquele que faz um lançamento junto à área contrária sabendo desde logo que, se der para o torto, tem de fazer um pique de 50 metros para fechar o seu flanco.

O lateral tem de lidar com apanha-bolas que não as devolvem se a sua equipa estiver a vencer. Ainda por cima, durante uma parte do jogo está a levar com os berros do seu treinador e as provocações do banco adversário.

Não és suficientemente alto? Ou suficientemente rápido? Ou suficientemente criativo? És no fundo um tipo voluntarioso, polivalente e aguerrido? Bem-vindo à lateral direita.

Ficar naquela posição é ocupar o último lugar da pirâmide. Os esquerdinos têm um encanto particular mas do outro lado qualquer tipo joga. Mete-se ali um central ou um médio e a coisa funciona. Se for um extremo com pulmão, ainda melhor.

Daí vieram Jose Bosingwa ou Paulo Ferreira, Miguel ou Maxi Pereira.

Danilo é diferente. É no fundo um médio que evolui a partir do flanco.

Recordo os primeiros meses do brasileiro no FC Porto e percebia-se a angústia existencial de que fala Vítor Pereira. Danilo não queria estar ali, tão longe da baliza contrária.

O lateral parecia recuar a passo, fintar para dentro sem sentido, confiar demasiado no seu instinto e permitir a fuga de adversários. Valia perto de 18 milhões de euros? Não há dúvidas: agora vale mais de trinta.

Danilo aceitou por fim a posição menos desejada e cresceu. Acutilante, incisivo, equilibrado e inteligente. Um ala com golo.

Dani Alves e Danilo salvam a honra dos laterais direitos e travarão interessante duelo particular na próxima temporada. A escola brasileira costuma apresentar os representantes mais dignos dessa classe indesejada.

Philipp Lahm, acredito, está numa realidade paralela: é outra coisa qualquer. Um maestro a controlar a orquestra junto à linha lateral, qual treinador no lado de dentro do terreno de jogo. Sobre ele já escreveu Nuno Madureira: é  a desforra dos laterais.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)