Três dos quatro apurados para as meias-finais da Liga dos Campeões – PSG, Man. City e Chelsea – são brinquedos caríssimos controlados por magnatas. Um trio de clubes sem grande lastro nas competições europeias, que contrasta com um histórico com selo de garantia devidamente autenticado, daqueles com palmarés e dimensão social colossais como é o Real Madrid – o outro dos qualificados.

Por estes dias, à boleia da dupla jornada do FC Porto em Sevilha, enfrentando olhos nos olhos um Chelsea que gastou 250 milhões em reforços no último defeso, o jornalista e autor inglês Sid Lowe resumia bem ao Maisfutebol isto de ser cada vez mais estreito o caminho da glória para clubes de tradição do Velho Continente, sobretudo os de campeonatos periféricos.

«Estamos num rumo em que clubes como o FC Porto ou o Ajax – os únicos dois vencedores da Liga dos Campeões fora das "Big-5" – têm obstáculos cada vez maiores para chegarem longe. A avareza das equipas grandes vai causar um dano terrível ao futebol. A história não conta para nada, a massa social não conta para nada, a integridade da competição não conta para nada. Só conta o dinheiro», lamentou.

Se uma Liga dos Campeões reformulada, como acontecerá a partir de 2024, comporta riscos de fechar ainda mais portas à classe média – cheia de galões, mas remediada – frente aos novos-ricos do futebol, não há, ainda assim, maior ameaça ao futebol europeu do que a eventual criação de uma Superliga.

A Superliga é uma aberração antifutebol.

Pode gerar bons espetáculos e ainda melhores receitas a um grupo restrito, mas não permite as histórias de superação que são a essência do desporto.

Na Superliga não há batalhas épicas de David contra Golias. Os «outsiders» ficam preventivamente à porta para evitar qualquer surpresa desagradável.

Uma liga fechada seria, como alertou a UEFA, um monótono clube de ricos, que poderia parecer aliciante nas primeiras impressões, mas que noite após noite se tornaria numa festa cada vez mais aborrecida, onde todos se conhecem e têm o mesmo estatuto, entediando-se progressivamente por verem sempre as mesmas caras.

Nessa exaltação do futebol moderno o futebol perde geografia – paradoxalmente, excluindo grandes mercados, como Rússia ou Turquia –, e cumulativamente perde justiça, já que a pirâmide em que se alicerça todo o sistema competitivo passaria a ter um tampão no topo.

Daí que quando no início desta temporada voltou a ser cogitada publicamente a criação de uma Superliga europeia, a UEFA deu a única resposta possível: «Os princípios de mérito e solidariedade das ligas abertas não são negociáveis. É isso que faz o futebol europeu funcionar e faz da Liga dos Campeões a melhor competição desportiva do mundo.»

A Liga dos Campeões é elitista, sem dúvida, mas garante um compromisso solene sob a chancela da UEFA ou de qualquer outra federação afiliada: o de salvaguardar o mérito desportivo.

Na Liga dos Campeões é possível a crónica campeã italiana Juventus, com uma gestão empresarial de topo e um plantel-constelação construído à volta da estrela Ronaldo, ser afastada em anos consecutivos por Ajax, Lyon e FC Porto.

É também essa ambição e a possibilidade de a concretizar que torna o futebol num fenómeno popular com mais de um século. E é sobretudo isso que mais uma meritória prestação europeia do FC Porto acaba por provar.

Novos e velhos ricos podem até encostar a porta, mas nunca fechá-la à chave a quem está no degrau abaixo. O direito a sonhar em estar ombro a ombro com os maiores jamais pode ser vedado, sob pena de o futebol se afastar em definitivo das suas raízes e alienar a paixão dos adeptos.

O FC Porto e qualquer outro clube têm o direito a morrer na praia. É, aliás, isso que os move, ano após ano: a ousadia de querer nadar entre os tubarões.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.