PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«A TRÁGICA FARSA» - Mark Robson  

Há treinadores bons e treinadores maus.
Há jornalistas bons e jornalistas maus.

De outra forma, para quem não aprecia maniqueísmos, há gente competente e incompetente em todas as áreas do trabalho.

Estamos todos de acordo? Creio que sim.

Antecipo esta ideia para contrapor um preconceito que tenho vindo a identificar em alguns treinadores. Dois deles responsáveis por equipas grandes.

A incapacidade de falar sobre futebol com elementos da comunicação social.

Julen Lopetegui e Jorge Jesus, é a eles que me refiro, optam pela arrogância e pelo ar de superioridade quando são instados a explicar opções táticas, filosofias de jogo ou substituições feitas.

Pergunto-me: o que pensam dos jornalistas ali presentes, à frente deles nas conferências de imprensa? São todos incompetentes? São todos curiosos que caíram ali de paraquedas?

Nem todos podem ter curso de treinadores, mas conheço muitos que foram praticantes (de futebol ou outras modalidades) e outros que vêem muito mais futebol do que Lopetegui e Jesus.

No meu caso concreto, será que 29 anos de futebolista federado não me permitem ter algum conhecimento sobre o jogo e sobre a relação entre treinador e atletas?

Mas há mais. Há algumas semanas, após a vitória na Póvoa de Varzim, um jornalista confrontou Lopetegui com o posicionamento estranho de Alberto Bueno no relvado. Diferente, argumentou o repórter, daquele que tinha a época passada no Rayo Vallecano.

Reação de Julen Lopetegui: «nunca viste um jogo do Rayo e perguntas-me isso?»

Julen teve azar no alvo. O jornalista em causa é, por curiosidade, admirador do Rayo e viu 90 por cento dos jogos desse clube na época passada. Alguns ao vivo.

Lopetegui respondeu-lhe com a condescendência do costume, alicerçada no preconceito de quem não reconhece ao jornalista a autoridade para questionar e trocar ideias.

O cenário não se vai alterar, estou seguro.

Lopetegui continuará a encher-nos de lugares comuns do género «queremos ser protagonistas», «o Angrense não é uma equipa fácil» e «temos muita ilusão e vontade para ganhar».

Continuará, enfim, a não responder a questões concretas com esclarecimentos verosímeis:

. Maxi Pereira saiu ao intervalo. Porquê? «Sim, achei que era o melhor para a equipa».
. André André ficou no banco. Porquê? «Não há imprescindíveis».
. A exibição contra o Tondela foi má. Porquê? «Ganhámos. É o que importa».

Ele, Jesus e, provavelmente, Rui Vitória, continuarão a esquecer-se que não estão a falar para o jornalista X, Y ou Z, mas sim para o leitor que os lê, o telespetador que os vê e o ouvinte que os escuta.

Hoje defendo a minha classe e recordo um dos primeiros filmes em que um jornalista da área do Desporto é retratado. Com nível, com respeito. Um clássico com Humphrey Bogart.

Se puderem, vejam. O jornalista não é uma figura menor no universo do Desporto.

PS: «Steve Jobs» - Danny Boyle
Jobs, de 2013, era uma mera narração da vida da recém-desaparecida alma mater da Apple. Cronologicamente lógico, equilibrado, mas desprovido de génio, de emoção, de garra, de surpresa.

Dois anos depois, Danny Boyle agarra na vida de Steve Jobs pelos colarinhos e projeta-a através de três momentos decisivos. A interpretação fortíssima de Michael Fassbender ajuda a elevar a película até um patamar que a torna pungente, até poética.

Aqui conhecemos um Jobs imperfeito, altivo, muitas vezes insuportável, longe do anjo impossível do filme que tinha Ashton Kutcher como protagonista.

A banda sonora é soberba e os últimos dez minutos do filme são do melhor que tenho visto. E tudo acaba em cima do palco, com Fassbender irrepreensível e a música dos The Maccabees a enfiar-nos pela cadeira do cinema abaixo.
 
SOUNDCHECK:

«REACH» - Gloria Estefan

Não tenhamos medo de ser pirosos. Pirosos mas épicos, atenção. É assim que esta música de Gloria Estefan, a rainha de Miami, me faz sentir. Piroso e de coração mole.  

No encerramento dos Jogos Olímpicos de Atlanta, 1996, Reach recuperou o espírito olímpico, as quedas, a perseverança, as marcas sobre-humanas, a superação e, claro, o extraordinário feito da nossa Fernanda Ribeiro: medalha de ouro nos 10000 metros, lembram-se?
 
PS: «Given to the Wild» - The Maccabees
O álbum é de janeiro de 2012 e só agora o descobri. «Grew Up at Midnight», a faixa que o encerra, está na banda sonora do filme Steve Jobs e é a composição que eleva as derradeiras cenas do filme à categoria de épico.

O quinteto londrino lançou um disco em 2015 e prometo audição atenta para os próximos dias. Esta amostra deixou-me mais curioso do que estava à espera.   

 
VIRAR A PÁGINA:

«UMA COISA SUPOSTAMENTE DIVERTIDA…» - David Foster Wallace

Um livro de crónicas, um testemunho hilariante, repleto de passagens bem humoradas. David Foster Wallace transformava o monótono em mágico, o aborrecido no mais emocionante, o trágico na redenção. 

Este não é um livro sobre desporto. Ou, pelo menos, não é só um livro sobre desporto. Mas está aqui porque um dos capítulos - longo - é dedicado a Roger Federer. O tenista é um dos meus escassos ídolos desportivos e, por curiosidade, é um dos ídolos de Foster Wallace.

Infelizmente, no caso do autor norte-americano, o verbo tem de estar no pretérito perfeito. Povoado por demónios interiores, Wallace pôs termo à vida em setembro de 2008. 

Para a eternidade fica esta obra e as palavras sobre Federer. Atrevo-me a dizer que nunca ninguém conseguiu definir tão bem o génio de Roger. «Federer: carne e não só».

«Ver Federer a jogar em Wimbledon é o raio de uma experiência religiosa. Eu tive o meu Momento Federer», escreve Foster Wallace, ele próprio um antigo tenista, de nível razoável no circuito nacional dos EUA.

«Esta final de Wimbledon (2008, Federer perde contra Nadal) possuía a narrativa da vingança, a dinâmica do rei versus o regicida, os absolutos contrastes de personalidade. Trata-se do machismo impetuoso do Sul da Europa versus a intrincada e clínica mestria do Norte. Dionísio e Apolo. Cutelo e bisturi. Canhoto e destro».
 

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista PEDRO JORGE DA CUNHA. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.