Entre projetos mais consolidados e promessas por confirmar, os clubes portugueses parecem (timidamente) dispostos a olhar mais para os jogadores que formam. Uma opção motivada sobretudo pelas limitações financeiras que se arrastam, e não tanto por uma crença sólida naquilo que se produz, mas por vezes é por caminhos sinuosos que se chega ao sítio certo.
 
Esse caminho é longo, no entanto, até porque está assente nas perspetivas individuais de cada clube, como habitualmente acontece no futebol português, e não num projeto comum, delineado em sede própria.
 
E os principais obstáculos à sua concretização estão dentro dos próprios clubes, vistam eles fato de treino ou fato e gravata. E se o projeto tem de ser pensado desde a base, os primeiros estorvos surgem também aí, sobretudo quando os responsáveis colocam os resultados desportivos no mesmo patamar de importância que o processo evolutivo de um jogador.
 
Ainda que a classificação e os títulos dos escalões mais jovens sejam também indicadores da qualidade do trabalho que se realiza, neste contexto o presente nunca deve sobrepor-se à construção do futuro. Daí que não faça sentido pegar num jogador que está a conquistar o seu espaço num escalão superior ao da sua idade e recuperá-lo para um patamar inferior, nem mesmo pontualmente, com base da importância de um jogo ou de uma competição. Como não faz sentido adaptar um jogador a outra posição apenas num plano estratégico para determinado jogo, e sem qualquer perspetiva de carreira nesse lugar.
 
Estes devem ser princípios estabelecidos inclusivamente nas equipas B, que embora já inseridas no futebol profissional devem centrar-se nas arestas que ainda há por limar em cada projeto de jogador saído da formação, e nunca apresentar-se como o  «caixote do lixo» da equipa principal, com jogadores de idades bem superiores a tapar o caminho de quem precisa aprender a errar.
 
Mas a grande barreira surge depois, no final do percurso, no patamar principal. É sobretudo aí que são necessárias mudanças, para que lançar jovens seja diferente de «queimá-los».
 
Promover um jogador da formação a uma equipa principal é bem mais do que «apadrinhar» a sua estreia, só para meter essa nota no currículo, concedendo alguns minutos de competição na Taça da Liga ou na Taça de Portugal. Apostar num jovem é dar-lhe esperanças reais de jogar e mantê-lo motivado num cenário de competitividade interna que o faça crescer, inserido precisamente no contexto em que é esperado que ele se afirme, pois não há melhor forma do que essa para saber se está à altura.
 
Os jovens da formação não podem ser «sobras» de um plantel com 25 ou 26 elementos, encarados como terceiras opções para os respetivos lugares. Desde logo pelo despropósito que é ter um grupo de trabalho desta dimensão com uma equipa B logo ali ao lado.
 
E defender um plantel com 18 a 20 jogadores, aproximadamente, complementado depois com elementos da equipa B, não é apresentar nenhuma teoria revolucionária. É antes recordar um modelo teoricamente defendido há muito, mas pouco seguido em Portugal, mesmo neste contexto de propalada aposta na formação.
 
A partir do momento em que um clube entende que um jogador proveniente da formação tem qualidade para chegar à equipa principal, ele tem obrigatoriamente de ser visto, no mínimo, como a segunda opção para o seu lugar. Se é lateral direito, por exemplo, não pode estar tapado por dois colegas mais velhos, e por vezes ainda por um central que é adaptado se os outros dois estiverem indisponíveis. Isso não é promover um jovem, é decretar uma estagnação.
 
Decidir que um jogador da formação tem qualidade para a equipa principal é colocá-lo atrás de uma sombra, no máximo. Que o proteja inicialmente, na fase de adaptação, mas que ao mesmo tempo não o tape por completo. Que lhe permita jogar com regularidade, ao lado de colegas que são opções regulares, e não apenas inserido num «onze» exclusivamente composto por jogadores pouco utilizados, sem rotinas.
 
É neste contexto que um jovem deve ser integrado, sem necessidade de o lançar de imediato às feras, mas com a possibilidade de evoluir já inserido no contexto, e com hipóteses reais de competir com regularidade. Isto se não mostrar desde logo que é a melhor opção, claro.
 
Mas esta necessidade de repensar a promoção à equipa principal terá sempre de estar sustentada na qualidade. Esse deve ser o único critério para definir quem tem lugar, sem necessidade de preencher qualquer quota previamente estabelecida.
 
E é também por isso que a aposta na «prata da casa» não é, de forma alguma, inconciliável com o trabalho da prospeção. A formação deve ser um importante suporte de uma equipa, mas nunca será fonte única de recursos. Daí que seja preciso continuar a procurar jogadores fora de portas, mesmo que sejam também jovens. Elementos que preencham posições carenciadas, que sejam verdadeiras mais-valias. Por vezes não o são, mas isso não significa que a prospeção seja prescindível. Caso contrário a Liga portuguesa não tinha recebido craques como David Luiz, Di María, James, Falcao e por aí fora.

«4x4x3» é um espaço de análise técnico-tática do jornalista Nuno Travassos. Siga-o no Twitter.