Por esta altura, se se interessa minimamente por desporto e não esteve num retiro budista nos últimos dois dias, já deve saber/ter visto/ouvido dizer que Ricardinho fez isto no Europeu de futsal.

A questão que conta é esta: também sabe que a seleção portuguesa perdeu esse jogo por 3-1? E, nesse caso, por que ordem relata os factos aos seus amigos que ligam pouco ao desporto ou que estiveram num retiro budista nos últimos dias? Diz-lhes que Portugal perdeu 3-1 no Europeu de futsal mas Ricardinho fez isto? Ou prefere dizer que Ricardinho fez isto, num jogo em que Portugal perdeu por 3-1?

Este tweet do principal interessado prova-o: a ordem dos fatores não é arbitrária. A beleza de um golo também depende, e muito, da sua importância, dos seus efeitos no resultado e no trajeto da equipa. Ao situar-nos entre a aparência e a substância, o fogacho e a profundidade, enquanto espectadores, a nossa escolha de prioridades entre as proezas individuais e o objetivo do grupo é tudo menos irrelevante.

Com isto, não estou a dizer que as duas coisas são inconciliáveis. Muito pelo contrário: a história do desporto escreve-se a partir das memórias e dos resultados, nesse ponto de encontro entre magia e eficácia, onde só os campeões conseguem demorar-se. Como Messi, Jordan, Maradona ou Cristiano, Ricardinho torna incomparavelmente mais fortes as equipas onde joga. Prova-o com títulos e troféus: é um campeão genuíno e não um exibicionista de praia. E é por isso que usa a capacidade de criar magia com o critério de eficácia que os campeões não perdem nunca.

No desporto, momentos como este de Ricardinho só passam a monumentos quando ficam ligados a sucessos – coletivos, no caso. Como Maradona à Inglaterra, Jordan aos Cavs, Bergkamp à Argentina, Wilkinson à Austrália. Também por isso, era importante Portugal conseguir uma proeza nos quartos de final, com a Espanha.

Deixar que isto se resuma a uma mera curiosidade viral é fazer com que o talento de um genuíno campeão possa ser confundido com uma habilidade de freestyler. Desses há muitos. Já Ricardinhos e Messis, juntam forma e função, aparência e substância e são raridades que devem ser valorizadas como tal. É bom que continuemos a dar pela diferença.