Em 2008, o colapso do banco de investimentos Lehman Brothers foi o tiro de partida para uma crise global, popularizando uma expressão cunhada vinte anos antes: too big to fail, (grande de mais para cair). Aplicava-se às instituições cujo peso na economia era tão significativo que, em caso de falência iminente, o risco de uma derrocada no sistema obrigava o poder – político, neste caso – a intervir em seu favor.

Exemplos recentes, em Portugal e lá fora, mostram que de 2008 para cá pouco mudou: continua a haver instituições suficientemente grandes para fazerem depender a saúde do sistema da sua própria saúde e há poucos sinais de que mudar isso venha a ser prioridade nos tempos mais próximos.

É aqui que o desporto em geral, e o futebol em particular, nos mostram outro caminho. Apesar de, fatalmente, também refletirem as regras, distorções e assimetrias da vida lá de fora, de vez em quando vão-nos trazendo de volta a premissa fundamental da competição: aqui ninguém é grande de mais para cair. A saída de Mourinho e o descalabro do Chelsea, apenas sete meses depois de um título de campeão conquistado com folga, é uma das mais extraordinárias demonstrações recentes dessa evidência.

Uma demonstração que ganha maior significado na medida em que, do ponto de vista de comunicação e debate mediático, os treinadores passaram de há uns anos a esta parte, a ocupar o lugar das estrelas. É aquilo que dizem durante a semana - muito mais escrutinado do que aquilo que fazem nos jogos - que condiciona a perceção do seu trabalho e, mais ainda, define para o público a identidade das suas equipas. Daí que, com tudo o que isso implica de injustiça e também de inflação de egos, tenha vindo a aumentar a fatia que lhes cabe do mérito – e das culpas – nos resultados das suas equipas: são, cada vez mais, vitórias e falhanços com nome próprio.

Mourinho não está só, claro. Nesta semana, os tropeções sucessivos de Rui Vitória e Jorge Jesus diante do treinador mais pressionado de toda a Liga ou, em Inglaterra, as desventuras de Van Gaal no Manchester United s(eis jogos seguidos sem ganhar) e de Klopp no Liverpool (pior média de pontos do que o antecessor Brendan Rodgers) são formas diferentes de nos lembrar o mesmo: o currículo, a boa ou má imagem, e a dimensão do orçamento para gerir não garantem nada. Ninguém está a salvo, ninguém é too big to fail. E no dia em que isto não for verdade deixará de ser necessário ver os jogos: basta ir espreitando a evolução dos resultados num quadro de atualizações, como quem segue as cotações da bolsa.

P.S.: A propósito dos jogos do União com Benfica e Sporting, acho pouco consistente criticar um grande por não ter argumentos para lidar com o antijogo de um pequeno às segundas, quartas e sextas, e depois mudar o foco de análise, criticando o pequeno por fazer antijogo às terças, quintas e sábados. As duas abordagens são legítimas e podem ser feitas em simultâneo. Faz pouco sentido é mudar-se radicalmente o ângulo de análise quando a única coisa que muda é o nome do grande. Por mim, assumo relutância em aplaudir um futebol que nunca me levaria a sair de casa para ir testemunhá-lo ao vivo. Mas a desproporção de meios e recursos, e a arrogância com que esta é encarada quando se tenta discutir a competição na globalidade, faz-me ter ainda mais relutância em contribuir para vitimizar os grandes quando o espetáculo não é bom e o desfecho lhes desagrada.