Existem coisas tão assumidas e regulares que muitas vezes nem nos questionamos o porquê das mesmas existirem ou como funcionam. Uma delas é perceber se a diferença entre ser treinador e selecionador nacional obriga ou fomenta a que o perfil de um treinador seja assim tão distinto do perfil de um selecionador? E se sim, como se faz a passagem das cognições e crenças de um treinador que o foi durante toda a vida para um selecionador lá para os cinquenta e muitos anos?

Vamos constatando que a maioria dos selecionadores apresenta uma idade superior às dos últimos treinadores de clubes que vão treinando as equipas principais. E não é apenas a idade que os torna diferentes. Claro que não. O trabalho de casa é diferente. O tempo que passam com os jogadores é inferior. As relações são muitas das vezes estilo fogo-de-artifício, quase que nem dá para apreciar e tem tendência sempre a brilhar mais do que a estar no escuro, pois estes últimos, deixam à partida de ser convocados. Que liderança é necessária numa seleção e em que difere da vida mais agitada de um clube?

Existem duas questões interessantes para se aprofundar:

- Que tipo de liderança, relação entre treinador e atleta, gestão comunicacional e do tempo existe numa seleção nacional?

- Se existem vários selecionadores nacionais que foram treinadores de clubes, como fazem eles a transição ao longo da vida e da carreira em termos de necessidade de abnegarem de algumas ações por outras e até adquirirem outras competências.

Fernando Santos fez essa transição. E fê-la bem. Conseguiu bons resultados ao serviço dos dois campos de trabalho. E nem sempre bons resultados sejam apenas o vencer, até porque na Grécia foi sempre admirado pelo excelente trabalho com os escassos recursos que tinha.

Estou certo que um treinador de clube aperfeiçoa o seu modo de estar e de fazer as coisas à possibilidade de estar quase todos os dias com os atletas. E que um selecionador tem de filtrar e adaptar-se ao tempo e aos objetivos muitas das vezes secundários dos jogadores nas seleções aquando competições ou jogos menores. Como o fazer?

Um dos casos que nos possibilitará perceber alguns aspetos que abordamos no artigo vai ser a transição ao contrário de António Conte da seleção italiana para o Chelsea. Porque não é muito usual um selecionador nacional voltar aos comandos de um clube, especialmente quando atinge patamares altos nas seleções.

Fica a dica para futuros trabalhos: quais os perfis de liderança que ganham mais nos clubes e nas seleções e onde os mesmos diferem? E se diferem porque os contextos assim propiciam essas vantagens para determinados perfis ou são meras acasos?

Rui Lança é licenciado em Ciências do Desporto e Mestre em Gestão do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana, e frequenta o doutoramento em Comportamento Organizacional nas áreas da Liderança, Equipas, Autonomia e Treino. Publicou cinco livros, entre os quais «Coach to Coach» e «Como formar equipas de elevado desempenho». É formador nas áreas da liderança, coaching, equipas e treinadores em diversos locais, entre eles na Federação Portuguesa de Futebol no curso de treinadores de futebol e futsal de nível III. Trabalha na vertente do treino do treinador e na área comportamental de equipas desportivas.