«Economicamente, com base nos resultados obtidos no primeiro semestre, perspetiva-se a necessidade de efectuar um valor considerável de mais valias de transferências, para que a Sociedade consiga atingir um resultado positivo no final da época.»
 
O último Relatório e Contas do FC Porto serve de exemplo para a tendência cíclica dos clubes grandes. No final da temporada, assumem os dragões, surgirá a necessidade de «efetuar um valor considerável» em transferências.
 
A SAD azul e branca foi a única a apresentar um resultado negativo neste semestre e tem uma despesa considerável com o seu plantel, acima dos 28 milhões de euros. Porém, não está sozinha nesta tentação pelo risco em troca de novas conquistas.
 
O Benfica garantiu o saldo positivo com a transferência de Enzo Pérez em janeiro. Já depois de Markovic, Oblak e Cardozo, «permitindo a aproximação aos valores historicamente mais elevados apresentados pela Benfica SAD». Ou seja, vender parece obrigatório. Ainda assim, é a entidade com maior dependência de financiamentos bancários para subsistir: perto de 293 milhões de euros, mais que FC Porto e Sporting juntos.
 
Sobra então o Sporting, obrigado a uma política de contenção financeira, não deixando ainda assim de viver com o rei na barriga como os restantes.
 
O anúncio de uma luta pelo título perante adversários com o triplo de gastos com o plantel e o tripo de financiamento externo foi irrealista e justificável apenas por uma necessidade de existência acima das possibilidades, económicas e desportivas.
 
A SAD leonina reduziu custos e o esforço merece aplauso. De qualquer forma, fez depender o lucro de uma transferência (Marcos Rojo) que está a ser discutida em tribunais.
 
As medidas de austeridade vão provocando danos colaterais e chegaram já às rainhas do futebol português: os pequenos. Portimonense e Freamunde tiveram de pagar a estadia do Sporting B em troca da antecipação de jogos para a transmissão televisiva.
 
Chegámos então à dúvida existencial: ambição desmedida, contração de empréstimos para procurar ouro em outros reinos, para comprar por 20 e vender por 30, ou proteção da identidade e subsistência com risco diminuto e exigência de impostos no próprio burgo, junto do povo?
 
O futebol português, tal como o país, está em crise. Os mais pequenos têm pago a maior fatura e basta procurar as notícias de rodapé para constatar a realidade. Beira Mar e Naval 1º de Maio, por exemplo, correm sério risco de falência completa.

Os grandes procuraram viver numa realidade paralela, como reis distantes do seu povo, associando os resultados desportivos a uma perspetiva de sucesso. Mas não é isso que acontece.
 
O FC Porto investiu mais e chega a esta fase no 2º lugar da Liga. A Europa garantiu receitas consideráveis e indispensáveis sem afastar a necessidade de um par de vendas no final da época. O Benfica sacrificou o seu património desportivo (jogadores) antecipadamente para obter resultados positivos e consegue ainda assim a liderança. Porém, também depende de vendas e empréstimos. O Sporting quis incluir-se neste grupo sem argumentos para tal.
 
No fundo, todos sabemos que os grandes vivem com o rei na barriga enquanto a rainha passa fome.
 
O povo sente o mesmo no seu dia-a-dia. Está a pagar a fatura do sobre-endividamento, da urgência em comprar mais para ter mais e assim chegar a um suposto bem-estar existencial. Uma utopia, percebeu-se.
 
Não queremos isso para o futebol português. Queremos clubes e sociedades anónimas com contas em dia e sustentabilidade sem inesperadas mais-valias. Prejudicando os resultados desportivos, o tal bem-estar? Sim, acredito que adeptos conscientes e tolerantes saberiam aceitar essa realidade. Desde que as regras sejam iguais para todos.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)