«Os grandes navegadores não são conhecidos por comandar grandes barcos mas sim pelas tempestades que vão atravessando.»

Rui Vitória preparou uma mensagem de esperança na ressaca da copiosa derrota no dérbi com o Sporting, em pleno Estádio da Luz (0-3).

O treinador assume uma postura de esperança e responsabilidade, desenhando o retrato do navegador que conseguirá atravessar a tempestade que cerca a nau encarnada.

Como é habitual nestes momentos, os holofotes incidem maioritariamente sobre o responsável técnico. Ou o comandante do barco, respeitando a analogia de Vitória.

A avaliação do trabalho desenvolvido, necessariamente simplista, não pode deixar de ter em conta a preparação da época no Benfica e o claro desinvestimento da estrutura encarnada.

Quando um navio afunda (se tal vier a acontecer) a perícia deve procurar a origem do problema e determinar se o incidente se deveu a falta de perícia do comandante, à construção inadequada da embarcação ou à conjunção de ambas as realidades.

A estrutura não pode servir apenas como explicação para viagens de sucesso e esvaziar-se de sentido nos períodos de tempestade.

Com o tempo será possível descortinar toda a história da saída de Jorge Jesus. Importa recordar, nesse capítulo, a intenção manifestada por Luís Filipe Vieira em dezembro de 2014. Jesus fazia parte ou estaria de acordo deste plano? Difícil acreditar.

«Na próxima época teremos quatro ou cinco jogadores da formação no plantel profissional, é irreversível.»

O que aconteceu pelo caminho? O Benfica iniciou um questionável processo de aquisição de vários jogadores de outros clubes da Liga, assinalando um provável desinvestimento no plantel 2015/16.

A 27 de junho de 2015, duas semanas após o anúncio de um princípio de acordo com Rui Vitória, a SAD encarnada confirmou a aquisição de dez jogadores, a saber: Ederson, Marçal, Mehdi Carcela, Dálcio, Diego Lopes, Léo Natel, Pelé, Adel Taarabt, Jhon Murillo e Francisco Vera.

Quem validou estas contratações e com que intenção, a curto ou médio prazo? A resposta seria importante para avaliar a estratégia do Benfica neste mercado de transferências. Desta lista, sobram três com espaço – e pouco – no plantel às ordens de Rui Vitória.

Medhi Carcela esteve em três jogos, num total de 124 minutos, enquanto Adel Taarabt e Ederson ainda não atuaram oficialmente pela equipa principal.

Marçal e Diego Lopes foram diretamente para a Turquia, Dálcio continua no Belenenses, Pelé e Jhon Murillo seguiram para outros clubes da Liga. Léo Natel é júnior e Francisco Vera está na equipa B, entrando na convocatória de Rui Vitória para o jogo com o Tondela.

Em agosto, o clube encarnado compensou a saída de Lima com as contratações de Mitroglou e Raúl Jiménez, o nome mais caro na lista de compras do Benfica. Entretanto chegou outro jovem sem retorno desportivo: Bilal Ould-Chikh.

Num cenário de notório desinvestimento, nem a estrutura nem Rui Vitória apresentaram reforços com qualidade inquestionável para preencher as lacunas à direita (Maxi saiu, Salvio está lesionado) e estabilizar o meio-campo, setor mais fragilizado nas últimas janelas de mercado.

O treinador oriundo do V. Guimarães aposta desassombradamente nos jovens, tal como havia feito no Minho – ninguém pode ficar surpreendido com esta realidade que ganha novos contornos a cada semana, em contraste com a parca utilização de reforços como Carcela e Taarabt -, e tem como proteção a cartilha anunciada por Luís Filipe Vieira. O presidente do Benfica repetiu, aliás, a mensagem nesta quinta-feira.

Rui Vitória é bom treinador. Pode falhar no clube da Luz por falta de perfil ou de preparação para cenários de máxima exposição mas a qualidade está lá.

Comparo este cenário com aquele que Paulo Fonseca enfrentou no FC Porto de 2013/14. Entrou no clube para substituir um treinador bicampeão nacional que se despediu em circunstâncias por esclarecer (Vítor Pereira) e aceitou o desafio de orientar a equipa num cenário de desinvestimento.

Esse FC Porto, como o Benfica dos primeiros meses do mercado, apostou preferencialmente em jogadores da Liga portuguesa para baixar custos e encaminhar-se para a sustentabilidade económica.

Licá, Josué, Ghilas, Tiago Rodrigues e Ricardo Pereira foram nomes sem continuidade no emblema azul e branco. De fora vieram Sinan Bolat, Diego Reyes, Juan Quintero e Hector Herrera, o único que se mantém no plantel. Argumento curto para compensar as saídas de João Moutinho e James Rodríguez, a troco de 70 milhões de euros, para o AS Mónaco.

Paulo Fonseca -  com a imagem refeita - regressou esta semana ao Dragão para travar o Lopetegui e encontrou uma realidade diferente, um FC Porto que regressou à lógica de esforço financeiro para terminar um ciclo sem troféus.

O treinador que brilhara no Paços de Ferreira saiu sem glória, vergado a erros próprios (aquele duplo pivôt foi o princípio do fim) e alheios, sem jamais imputar responsabilidades à estrutura do clube portista. Mas elas foram evidentes e porventura necessárias, porque a crise obriga a contenção, mais cedo ou mais tarde. Pode ser essa a realidade do atual Benfica.

O Sporting tem, a troco de uma fortuna, o melhor treinador para a Liga. O FC Porto, com folha salarial elevadíssima, tem o melhor plantel. O Benfica mantém parte da estrutura bicampeã e duas das figuras máximas da época anterior: Gaitán e Jonas. Quem falhar terá de partilhar responsabilidades. Porque as bases estavam lançadas para uma disputa equilibrada até final.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt).