«O Samaris até podia ser ponta de lança e eu achar que era médio defensivo. Já fiz isso com tantos, que deram muito dinheiro ao Benfica.»
 
Jorge Jesus voltou, na passada semana, a reclamar louros pela valorização de ativos no Benfica. No espaço de um mês, foi a segunda vez que o treinador encarnado recorreu a este expediente: o autoelogio.
 
Importa recordar o que o técnico disse em entrevista recente ao Record, em resposta à notória falta de aposta na formação.
 
«Markovic tinha 18 anos, foi vendido por 30 milhões [n.d.r. por 25]. André Gomes, 20 anos, vendido por não sei quantos milhões. Rodrigo, vendido por não sei quantos milhões. Oblak, 20 anos, vendido por não sei quantos milhões. Digam-me um treinador no mundo que faça isto! Isto é formação.» 

No fundo, pelo que Jorge Jesus vai dizendo, haverá por ali uma espécie de toque de Midas.
  
Não apenas com jovens, exemplos usados na entrevista ao Record, mas com médios defensivos de todas as idades. No limite, com jogadores de todas as formas e feitios, custando 1 ou 10 milhões de euros ( como Samaris).
 
É esse o ponto que merece debate. Não questiono o valor de Jorge Jesus, um dos melhores treinadores portugueses da atualidade, nem a riqueza da sua personagem, que me agrada particularmente.
 
Mas, como em tudo na vida, a visão aprofundada permite desmontar ou pelo menos questionar ideias feitas e apresentadas como verdades absolutas.
 
Os números de uma transferência, por exemplo, que Jesus parece associar a uma estupenda e inesperada valorização do ativo.
 
Lazar Markovic não foi vendido por 30 milhões, mas sim por 25. O Benfica tinha apenas 50 por cento dos direitos económicos, recebeu 12,5 milhões do Liverpool. Como tinha pago 6,25 milhões ao Partizan (por Lazar e o irmão Filip, aparentemente uma obrigatoriedade), lucrou ‘apenas’ 6,25. Para além do rendimento desportivo, naturalmente.
 
No futebol português – não apenas no Benfica - há vários casos de jogadores que chegam com o seu passe partilhado, ficam por apenas uma época e dão o salto. Passaram de desconhecidos a alvos incontornáveis para os principais clubes no espaço de um ano? Foi isso que aconteceu com Markovic? Ou Ramires, recuando ao início da história de Jesus?
 
Não creio. Infelizmente, num mercado dominado por empresários e fundos de investimento, os clubes nacionais apresentam-se como um apetecível «stepping stone» para Inglaterra e Espanha. E esses, agentes e fundos, são os maiores beneficiados. Reclamar exclusividade de mérito em operações como estas faz pouco sentido.
 
Jorge Jesus pensa de outra forma. Talvez por isso, mostrou-se particularmente incomodado com as declarações de José Mourinho sobre Talisca, um nome que devia causar estranheza na Europa do futebol. A partir daí, iniciou-se um diálogo que envergonha tudo e todos, com respostas duras do treinador do Chelsea.
 
Voltemos ao essencial. Talisca não era propriamente um desconhecido mas o Benfica chegou primeiro, fez a sua aposta (não sabemos ainda em que moldes) e o treinador está potenciar as qualidades do jovem. É esse o seu cunho.
 
Mas não há propriamente um toque de Midas, uma incontestável capacidade de Jorge Jesus para transformar em ouro tudo o que passa pelas suas mãos.
 
Em seis temporadas de Benfica, percebe-se que por cada Talisca houve um Michel, o ativo desaparecido. Por cada Markovic houve um Djuricic. Por cada Eliseu houve um Djavan.
 
72 contratações desde 2009, média de 12 por época. Se Jorge Jesus pretende ficar com todos os louros das transferências milionárias - e não devia, já que a direção tem desempenhado um papel importante -, terá de reconhecer igualmente o falhanço completo de alguns movimentos.
 
Aqui estão os nomes e o balanço fica à consideração do leitor (estarei disponível para discussões caso a caso, basta deixar o seu comentário).

Para mim, há uma percentagem de 40/50 por cento de acerto, entre jogadores que deram lucro desportivo/financeiro ou que no mínimo não redundaram em prejuízo.

Bom, muito bom até. Mas nada que faça inveja a Midas.   
  
2009/10: Júlio César, Patric, Shaffer, César Peixoto, Airton, Javi Garcia, Ramires, Felipe Menezes, Weldon, Éder Luis, Saviola, Keirrison e Alan Kardec;

2010/11: Roberto, Oblak, Jardel, Carole, Fábio Faria, Gaitán, José Luís Fernández, Salvio, Franco Jara e Rodrigo;

2011/12: Artur Moraes, Mika, Eduardo, Daniel Wass, André Almeida, Garay, Léo Kanu, Emerson, Capdevila, Matic, Nuno Coelho, Enzo Pérez, Bruno César, Élvis, Witsel, Nolito, Melgarejo, Rodrigo Mora e Yannick Djaló;

2012/13: Paulo Lopes, Luisinho, Ola John, Hugo Vieira, Michel e Lima;

2013/14: Sílvio, Lisandro López, Siqueira, Bruno Cortês, Fejsa, Luis Fariña, Djuricic, Sulejmani, Markovic, Funes Mori; 

2014/15: Júlio César; Luis Felipe, César, Benito, Eliseu, Djavan, Samaris, Cristante, Candeias, Pizzi, Talisca, Bebé, Derley e Jonas.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)