«Você sabe o que fiz e passei para chegar até aqui? Quais são meus planos? Tudo aquilo que a minha família sofreu? Quantas pessoas dependem de mim? Quantas bocas ajudo a alimentar? Quantas pessoas ainda quero e vou ajudar?»

Ainda eu dava os primeiros passos no jornalismo esportivo no Brasil, quando, num fim de treino do Corinthians, um jovem jogador se aproximou e desabafou comigo. Não era um recado direto e exclusivo para mim. Era para todos.

Éramos ali dois garotos de realidades e passados distintos falando de presente e futuro. De sonhos a realizar. De responsabilidades. De pressão constante. Acima de tudo, de como era - e ainda é - fácil acusar e ser julgado em praça pública sem a menor empatia.

«Chamar um jogador de "mercenário" é das maiores injustiças que existe no futebol», completou o personagem em questão, que, naquela altura, estava sendo massacrado por parte da Imprensa e, especialmente, da torcida corintiana.

Tinha uma negociação muito bem adiantada para jogar na Europa. Não num grande centro. Estava pronto para se aventurar em um mercado pouco explorado e conhecido, porém multimilionário. Caminhava para ganhar rios e mais rios de dinheiro. Valores astronômicos. Inimagináveis.

Nunca ousei escrever ou chamar qualquer que seja o jogador de "mercenário". Lá atrás, já o pensei. Vez ou outra é mais forte do que nós. A conversa inicialmente despretenciosa de 2011 acabou por ser marcante. Divisora de águas. Guardo com carinho todas as palavras. Foram fortes. São mais atuais do que nunca.

É com uma facilidade extrema e um desrespeito ímpar que Enzo Fernández tem sido esmagado nas redes sociais. Dia após dia. Jogo após jogo. Até parece ter cometido um crime inafiançável por apanhar o primeiro comboio inglês que passou. Primeiro e talvez último, por que não? Quem garante?

Trocou o Benfica pelo Chelsea para embolsar quase oito vezes mais. Foi jogar na melhor liga do mundo. O projeto, sim, é altamente discutível, mas a decisão de esperar ou querer dar já um passo em frente, independentemente do momento, é tão legítima quanto priorizar a saúde financeira.

São escolhas. Dignas. Honestas. Já dizia o velho ditado: cada um sabe onde o seu calo aperta. Quem sou eu para vandalizar o sonho alheio? Quem é você? Talvez sejamos nós muitas vezes os mercenários. Egoístas e insensíveis que pensam no aqui e no agora.

* Bruno Andrade escreve a sua opinião em Português do Brasil