«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Nos olhos de um goleador, a baliza é um espaço sideral. A transposição celeste de uma constelação para um campo de futebol. O objeto único de apreço e obsessão.

Nesse reflexo apontado à córnea de um matador, vejo o apetite e a qualidade, o semblante mordaz e o lado selvagem. Goal, Goal, Goal, cantavam os simpáticos James, possivelmente inspirados em Gary Lineker, Michael Owen ou outro killer inglês.

Nos 18 metros quadrados de uma baliza cabem 300 bolas. Só um espírito livre, um goleador egoísta, mercenário das áreas, acredita sempre que o guarda-redes não vai chegar, que o guarda-redes é um minorca e que falhar é impossível.

Rematar à baliza é um auto de fé. A humilhante penitência ou a assombrada glória.

Aqui chegados, é importante trazer outra ideia: há várias formas de ser competente na arte do golo, embora a consciência da convicção seja absolutamente inegociável.

É por isso, de resto, que vejo em André Silva um ponta-de-lança esborratado com pinturas de guerra, selvagem, e em Gonçalo Paciência um elegante executivo de fato, gravata e mala negra na mão.

Gonçalo, aliás, tem uma ideia peculiar sobre as diferenças entre ambos: «Acho que o André não é tecnicamente tão evoluído, mas é muito forte de cabeça, agressivo e rápido.»

Um ano e meio após esta entrevista ao Maisfutebol, quando eram unanimemente considerados os melhores protótipos de goleador em Portugal, André é reforço oficial do AC Milan e Gonçalo espera por uma definição do futuro. A competir no Europeu de Sub21.

Nos últimos 18 meses, André fez 58 jogos e 24 golos pelo FC Porto. Gonçalo não teve uma única oportunidade nos dragões, passou por empréstimos apenas razoáveis (Académica, Olympiakos e Rio Ave) e teve ainda de lidar com um problema de saúde.

Foram separados à força. Por imponderáveis da vida, por imponderáveis do futebol.

O FC Porto perdeu André Silva – era aqui que eu queria chegar -, mas não precisa de olhar para muito longe. Gonçalo tem tudo o que é necessário para ser opção imediata e reforço verdadeiramente sério para Sérgio Conceição.

Gonçalo precisa urgentemente de se libertar de lesões e de iniciar uma temporada no clube certo, cedo, com pré-época incluída, sob pena de se afastar cada vez mais do percurso de André Silva.

O potencial de Gonçalo não é, em nada, inferior ao do ex-colega do FC Porto. Vejo, em cada um deles, a baliza espelhada nas pupilas oculares. E as 300 bolas que cabem lá dentro.

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».