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A 27 de junho de 2021, o país chora a eliminação da Seleção Nacional do Euro2020. A Bélgica ganha 1-0, segue em frente e deixa os portugueses em desassossego. Desamparados.

Quem dá as explicações que o povo merece? Quem dá a cara num momento difícil?

Fernando Santos, claro, mais um punhado de jogadores: Raphael Guerreiro, Rúben Dias, Danilo e Palhinha.

Sentem a falta aqui de algum nome? Ah, sim, do nome do capitão de equipa. Não, Cristiano Ronaldo não fala à comunicação social e, indiretamente, aos portugueses.

Do avançado apenas se lamenta o gesto apanhado pelas câmaras ainda no relvado: um pontapé na braçadeira de capitão, símbolo daquilo que se presume ser o líder do balneário.

No day after da eliminação, lá aparece pelas dez da manhã umas palavras na conta oficial de Cristiano no instagram – provavelmente escritas por alguém da sua entourage, ninguém sabe.

«Voltaremos mais fortes», blá blá blá e mais um medíocre apanhado de lugares comuns.

Consequência: a Seleção Nacional não volta mais forte e Cristiano não percebe que um capitão se vê, precisamente, nos contextos mais delicados. Dentro do balneário e, como ele tão bem sabe, na comunicação com os milhões de portugueses.

14 de novembro de 2021, quase cinco meses depois: Portugal faz uma exibição miserável frente à Sérvia, perde na Luz a qualificação direta para o Qatar e 65 mil almas acabam a noite em choque.

Quem lhes dá as palavras de conforto que tanto merecem? Fernando Santos, Palhinha (outra vez) e Bernardo Silva.

Cristiano Ronaldo? Lá aparece pela fresquinha, na manhã seguinte, em mais um magnífico texto pejado de clichés no instagram. É mais confortável, de facto.

«O futebol já nos mostrou vezes sem conta que, por vezes, são os caminhos mais sinuosos que nos levam aos desfechos mais desejados.»

Uau, arrepiante. Cristiano Ronaldo, fortíssimo a exercer o cargo de capitão no instagram.

No relvado, apenas mais um momento polémico: o capitão irritado e a barafustar

Conclusão: nas duas deceções mais profundas e recentes da Seleção Nacional, o mais extraordinário futebolista português de sempre opta por fugir das chamas quando elas ameaçam chamuscar o balneário.

Faz-me lembrar uma maravilhosa cena de George Costanza - o neurótico, inseguro e hilariante parceiro de Seinfeld – na melhor sitcom de todos os tempos.

Costanza acompanha a nova namorada à festa de aniversário do filho dela. Brinca, convive, debita umas piadas e a criançada ri. Até que George se apercebe do odor a fumo.

Encaminha-se para a cozinha, confirma a existência de um início de incêndio e entra rapidamente em pânico – apesar de ser o único homem adulto na casa, corre apavorado para a saída.

Pelo caminho atropela o palhaço, uma velhinha num andarilho e os petizes. «FOGO!», salve-se quem puder.

Assim não, Cristiano. 

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