«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».
No início pareceu-me tudo benigno. Leves dores musculares, cansaço generalizado, peso na cabeça. Nada que o paracetamol não fosse capaz de resolver.
De 16 a 18 de março, os sintomas não passaram disto. Fui aguentando, pensando que ‘a mim não acontece nada’ e que o dia a seguir seria melhor. Ou menos mau.
No final do quarto dia surgiram os primeiros arrepios e avisos de febre, como se o alarme orgânico tivesse disparado e alertado o meu instinto de sobrevivência.
Dos 37,5 passei em 24 horas para 39,2 graus. Se algum médico me tivesse dito nessa altura que eu tinha contraído malária, acreditem que me pareceria um diagnóstico verosímil. Nunca me senti tão quente, tão suado e ao mesmo tempo com tanto frio no meu corpo. Adormeci dezenas de vezes com o som dos dentes a tiritar.
Ao mesmo tempo que eu suportava a pior «gripe» da vida, a minha esposa (um beijo, Catarina, vamos ultrapassar isto) também geria os próprios sintomas. Completamente diferentes dos meus: dor de garganta, tosse e perda de olfato.
Ah, sim, faltava dizer que perdemos completamente o olfato, ao ponto de deixarmos de pressentir as fraldas sujas dos nossos gémeos de dois anos e meio. Brutal, não?
Ao quarto dia de febre recebi a visita de um médico. Receitou-me o paracetamol de sempre e um antibiótico (amoxicilina) para combater a infeção respiratória que identificara na auscultação. Céu, Ciência, amuletos da sorte e mezinhas das avós, a tudo nos agarrámos. Resultou. Principalmente a parte da Ciência, digo eu.
Pouco a pouco, a febre foi largando o meu organismo, não sem antes encharcar os lençóis da cama durante três noites seguidas. Pesadelos, tremores gelados, pijamas atrás de pijamas carregados daquilo que só podia ser veneno.
Quando efetuámos o teste de despiste – eu através do SNS e a minha esposa num laboratório privado (Synlab) –, a 26 de março, já nos encontrávamos melhor, mas os problemas ainda não tinham acabado.
Devido a uma troca de identidade no envio do resultado, ficámos primeiro a saber que o diagnóstico era Negativo e, horas mais tarde, Positivo. Contingências de uma era absolutamente anormal, mas inaceitáveis num Estado de Direito.
A nossa preocupação imediata foi perceber se teríamos, naquelas horas de erro no diagnóstico, cometido algum lapso comportamental ou contagiado alguém. Esse lado, o do sofrimento e incerteza pelo que fazemos e sentimos, é um inferno muito particular.
Escrevo estas linhas já em franca recuperação, mas certo de que esta está a ser a maior guerra da minha vida, uma guerra que nunca pensei ser possível travar.
Acabo com mais um dado: não fazemos ideia do local onde fomos contagiados e temos a certeza de que desde o início cumprimos de forma exemplar as regras desenhadas pela DGS e entidades governamentais. Nem assim fomos capazes de enganar este inimigo invisível.
Estamos há 18 dias em casa e por aqui continuaremos. Não facilitem, não julguem que isto é um resfriadinho que só apanha os mais velhos. Tenho 41 anos, faço desporto três vezes por semana e não fumo. Na passada semana senti-me um moribundo à espera da Extrema Unção.
FIQUEM EM CASA.
PS1: o meu sincero obrigado público aos médicos Manuel Neves (um verdadeiro amigo) e Joaquim Neves Oliveira pelos conselhos e palavras ditas nos momentos de maior tensão. Personaliza neles o extraordinário trabalho feito pelo nosso pessoal da Saúde.
PS2: peço desculpa aos colegas que me convidaram nas últimas semanas para estar em podcasts e que receberam uma resposta negativa. O único motivo para o 'não' é este. Estarei recuperado dentro de dias.
«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».