«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Escrevo sob protesto. Esta semana apetecia-me algo diferente, algo investigado por um consórcio internacional de jornalistas, algo capaz de dinamitar esquemas, habilidades, trafulhices, daqui até Luanda. 

Este não é o local certo para essa análise, por isso vamos ao que nos traz cá: futebol. Mais concretamente, a situação do treinador do FC Porto e as revelações do jornal Público sobre o enternecedor pedido de escusa de um juiz benfiquista. 

CASO 1: o crédito (ilimitado?) de Sérgio Conceição

O treinador chegou ao FC Porto em 2017 e fez um trabalho fantástico na primeira época. Um trabalho quase miraculoso. Recuperou jogadores perdidos (Marega é o exemplo-mor), reabilitou a ligação entre equipa e adeptos (média de 39.672 espectadores, a melhor desde a inauguração do Dragão), montou uma feroz máquina competitiva (melhor ataque e melhor defesa no final da Liga) e projetou o nome de atletas no mercado de transferências (75 milhões em vendas, com destaque para Ricardo Pereira e Diogo Dalot, 22 milhões cada).

No verão de 2018, a opinião era praticamente unânime: Sérgio Conceição, nome intocável. 

O que mudou em ano e meio? Praticamente tudo. E é isso que me leva a afirmar que o crédito do treinador não é ilimitado, apesar da excelência do trabalho apresentado no primeiro ano. 

Em 2018/19, os dragões tiveram sete pontos de avanço sobre os rivais. Perderam o campeonato, sobretudo por falharem em casa no confronto direto. Fizeram menos três pontos do que na temporada do título e cederam as duas taças nacionais ao Sporting, sempre nos penáltis. 

A excelente campanha na Liga dos Campeões (quartos-de-final) atenuou os níveis de desilusão. Contas feitas, claro que Sérgio Conceição tinha apresentado serviço mais do que suficiente para continuar. 

Do verão de 2019 até à derrota contra o Sp. Braga (dez pontos já perdidos na Liga, quase tantos como no total de 2017/2018, 12) pouco se salva.

A chocante eliminação da Liga dos Campeões contra o Krasnodar, as pálidas exibições na Liga Europa, a irregularidade no campeonato, os dados estatísticos quase todos inferiores em relação ao Benfica (vale a pena ver este tweet e os levantamentos trazidos pelo jornal O Jogo nos dias 19 e 20 de janeiro). 

De uma forma simples: o FC Porto de Conceição mantém a alma, a vontade, o empenho, mas piorou em tudo o resto. Parece-me uma equipa zangada com o mundo, uma equipa que joga sempre em sofrimento, como quem quer acabar uma maratona e sente já não ter coração e músculos para isso.

A única boa notícia para o universo portista é que ainda há uma luz no fundo do túnel. Chama-se «clássico contra o Benfica» e tem data marcada: 8 de fevereiro. Se os dragões ganharem, Sérgio recupera crédito e estas linhas perdem força; um empate ou uma derrota tornam a minha impressão definitiva. 

Seja como for, não é exatamente a mesma coisa receber o Benfica a quatro ou a sete pontos. 

CASO 2: a escusa do magistrado benfiquista

Oito dias depois de ser sorteado o nome do juiz encarregado de decidir o recurso do FC Porto no caso dos emails, o Sport Lisboa e Benfica organizou uma visita ao Seixal para sócios com 50 anos de filiação. Uma iniciativa muito bonita, sim senhor, mas que por infeliz coincidência implicou um convite ao juiz Eduardo Pires. 

Quem? O magistrado que uma semana antes ficara a saber ser o responsável por julgar o diferendo nos tribunais entre o seu Benfica e o FC Porto. Uma maçada, de facto, resolvida da única forma possível: o senhor doutor juiz, muito bem, pediu a escusa do caso. 

O que me transtorna neste exemplo - assusta-me, até - é a facilidade com que se mistura futebol e Justiça nos dias atuais. Principalmente na facilidade com que se mistura Benfica e Justiça.

É o processo do juiz Rui Rangel, é o processo E-Toupeira, é a lista de magistrados «amigos» que surgem numa das correspondências do caso dos emails e é a normalização que o clube entendeu fazer desta «operação de charme» com o juiz Eduardo Pires. 

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».