«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».
Não amordacem o prazer de gritar golo.
Não silenciem o grito do êxtase.
Jamais tentem algemar o clamor rouco (e louco) de uma vitória.
Calar os excessos no festejo de um triunfo é castrar a emoção de que vive e se alimenta o futebol: adeptos, jogadores, dirigentes e, naturalmente, treinadores.
Imaginem o vosso filho a chegar em casa, a olhar-vos nos olhos e a dar-vos uma notícia há muito desejada.
Imaginem o vosso patrão a dar-vos uma palmadinha nas costas e a confirmar o tal aumento há tanto prometido.
Como é que reagiríamos a momentos destes? Com emoção, claro.
Imaginem o eterno Victor Hugo Morales a trocar o uivo de «Maradonaaaaa, de que planeta viniste???» por um seco «golo de Maradona, após fintar meia equipa de Inglaterra».
Não, não era a mesma coisa, não era o futebol que tanto amamos.
Não concebo o futebol sem emoção, paixão e algum excesso. Não aceito um jogo de mentes frias e calculistas, incapazes de aumentar o batimento cardíaco naquele instante, naquela altura em que todo o trabalho se glorifica na bola a cruzar a linha da baliza adversária.
Presumo que Sérgio Conceição esteja comigo nisto.
O treinador do FC Porto é um homem apaixonado, caloroso, um homem absolutamente em desacordo com o enjaulamento que hoje se verifica no futebol moderno: a necessidade de escolher as palavrinhas certas, o medo-quase-pânico de incomodar alguém, a garganta seca pelo receio de um despedimento ou de um castigo.
Conceição é assim e incorpora dentro do fato e gravata as sensações da massa associativa que representa. Leva no coração a ânsia de todos os portistas, tem na mente a ambição do emblema azul e branco.
Sou incapaz de condená-lo pelo pequeno excesso no dérbi do Bessa. Um «toma lá c……!» naquela circunstância não é mais do que um desabafo em jeito de alívio. Uma descarga terrível de adrenalina, mais ou menos controlada.
Sérgio sempre foi e sempre será especial. E talvez tivesse algo atravessado contra Jorge Simão. Não é preciso puxar muito pela memória, basta estar atento.
Em 2016, depois de um Paços Ferreira-Vitória, o agora treinador do FC Porto chamou «papagaio» a Simão e acusou-o de anti-jogo.
Dois anos depois, após 90+5 minutos duríssimos, verdadeira batalha entre vizinhos, Conceição derrotou este velho conhecido. Reagiu com um gesto em forma de pequena vingança pessoal. Normal.
É suficiente para a expulsão? Para mim, não.
Compreendo o treinador do FC Porto neste caso, principalmente por eu próprio já ter vivido momentos semelhantes, dentro do campo de jogo.
O Maisfutebol já lhe criticou excessos passados, mas neste episódio singular coloco-me ao lado dele e de todos os que só aceitam o futebol vestido de camisola transpirada, lábios mordidos, coração acelerado e alma apaixonada.
Não queiram fazer do futebol um manual de bons costumes religiosos e dos treinadores robôs bem comportados.
Que nunca calem Sérgio Conceição, que nunca calem quem ama o grito do golo.
«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».
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