«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Quão retorcidas podem ser as mentes por detrás do asco a que pretendem chamar ‘Superliga Europeia’?

Como é que foi possível chegar a este ponto e entregar tamanho poder na mão de um punhado de dirigentes que, não tenho dúvidas, detesta futebol?

Qual é a motivação destes endinheirados sem memória a não ser, lá está, a fúria por mais e mais dinheiro?

Que fique bem claro. O que estes 12 clubes de futebol – será que ainda o são? – pretendem fazer é desmembrar de alto a baixo o jogo que amamos, o jogo com que crescemos e que tantas vezes nos educou. 22 homens com direitos e deveres iguais dentro do mesmo campo.

Gary Neville foi um lateral direito de bom nível, passou a treinador sofrível e tornou-se num dos melhores comentadores desportivos do Reino Unido. O antigo internacional inglês e histórico do Manchester United foi capaz de resumir, ainda de coração aos saltos, todo o nojo que sinto por este projeto que, quero acreditar, será condenado ao insucesso por todo o planeta-futebol.

«O Manchester United nem está na Liga dos Campeões, o Arsenal também não, o Tottenham também não. Agora querem um direito adquirido para marcarem presença?»

Do ponto de vista antropológico, esta medida anularia por completo o mérito das conquistas. Faria tábua rasa das histórias familiares, do pai e do filho que se amparam décadas a fio no amor pelo mesmo clube, pela ida ao pub antes e depois do jogo.

Estes homens de negócios, de fato e gravata, jamais saberão o que é sofrer por um clube. Passar temporadas à espera daquele jogo, daquela tarde perfeita em que os astros se alinham e o Golias cai. Nada, zero, um grupo demencial, interessado somente em lucro, lucro, lucro. Ganância e avareza num clubezeco de multimilionários.

O futebol é emoção. Emoção! É a paixão a pulsar nas veias, o passeio semanal pela infância, os relatos daquele jogo que não nos sai da cabeça, os heróis da nossa terra, as cervejas a escorrer após um esforço que nenhum sheikh, faraó ou príncipe jamais compreenderá.

O futebol é aquela turma do 6º4 (sexto ano, turma quatro) a encher o pátio da escola, semana após semana, até dar uma tareia de bola aos matulões do 9º6 (nono ano, turma seis) na final. É o ecossistema a funcionar, os mais pequenos a tentarem ser da classe média e os da classe média a espicaçarem os gigantes aborrecidos.

Que vergonha. Que vergonha. Não esqueceremos estes 12 intrujões: AC Milan, Arsenal, Atlético Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham.

PS1: desejo com todas as forças que nenhum clube português se associe a esta quadrilha de 12 que se propõe assaltar o espírito e a essência do jogo. Se o FC Porto, como afirma o seu presidente, recusou o convite informal para entrar no torneio de velhacos, então só posso aplaudir. Uma e outra vez.

PS2: no nosso brainstorming de redação (agora virtual, infelizmente), o meu camarada Vítor Maia desenhou uma imagem que não me sai da cabeça. Messi e Ronaldo, lado a lado em conferência de imprensa, a gritarem a sua discordância contra a liga dos desmemoriados. Seria muito bonito. Cristiano Ronaldo, porém, fez isto. Uma posição de força, sim senhor.

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