«É um orgulho enorme vestir a camisola de Portugal e eu espero vesti-la por muitos anos»

Raphael Guerreiro, do alto dos seus 170 centímetros e 20 anos, deu uma cabeçada na monotonia e encheu os corações portugueses de inesperada alegria.

O jogo não interessava a ninguém mas ouviram-se gritos, milhares deles, por todo o país. Pela forma, pelo momento, pela ironia da coisa. Nem Messi ou Ronaldo, nem Di María ou Nani. De repente, olhou-se ainda mais para Raphael, o lateral que nos faz recordar a farmácia escrita com ph.

Antes de mais, o título deste artigo de opinião. Não é por acaso nem deve ser encarado como uma analogia de mau gosto. Trata-se apenas de uma humilde referência ao Dia Mundial da Prematuridade, assinalado no início desta semana. Uma temática a que não consigo ficar indiferente. Pode saber mais sobre estes bravos Guerreiros  aqui.

Adiante.

No futebol, terminando aqui o paralelismo, cada bebé como Raphael leva à prematuridade. Cada jovem conduz à irresistível elaboração de um prognóstico antecipado, a um tentador vislumbre de um futuro que não chega em linha reta.

Sejamos honestos: não é possível controlar todas as variáveis em torno de um jogador de futebol. A resistência psicológica às adversidades, a evolução em parâmetros do jogo deficitários, as escolhas de treinadores, a invulnerabilidade a fatores externos como a fama e fortuna.

Percebemos a qualidade inata e arriscamos o palpite. Adeptos, jornalistas e treinadores. Com crescente probabilidade de acerto. No fundo, é a esperança que nos move. Acontece com Ruben Neves, com Gonçalo Guedes, com tantos outros.

Vemos algo novo e acreditamos num futuro risonho.

Gostamos de descortinar craques, acompanhar o crescimento, testar a capacidade visionária e reclamar créditos.

Nos meus tempos de Championship Manager (antes do Football, a que vou resistindo), o ‘hobby’ consistia em pegar num clube, vender todos os ativos e procurar os Tsigalkos, Aghahowas, Freddys Adus e Tós Madeira daquele mundo. No fundo, como os maiores clubes portugueses. Depois, completava o plantel com os jovens, as promessas, para vê-los crescer e encontrar a improvável agulha no palheiro.

A conversa é séria e voltemos à realidade – chegámos a sair dela?

Antever o futuro é um processo utópico mas deliciosamente irresistível. No futebol, como na vida, não há linhas retas no percurso. Surgem as lesões, as opções, o desânimo. E perde-se a esperança.

Devemos ponderar essas variáveis em qualquer prognóstico mas não os guardemos para o fim, quando deixam de fazer sentido.

Ninguém sabe se Raphael Guerreiro irá vestir a camisola da seleção nacional «por muitos anos». Ver um pequeno lateral esquerdo na área da Argentina, em período de descontos, a garantir uma vitória de cabeça entusiasma mas não pode toldar o pensamento.

Afinal, como lembrou e bem um companheiro de redação, não deixa de ser o titular do atual último classificado da Ligue 1. O lateral do Lorient chegou às seleções nacionais em março de 2013 e nem sempre como titular: esteve atrás de Luís Martins nos sub-21.

Esquerdino com tremenda propensão atacante (com naturais falhas no posicionamento defensivo), Raphael Adelino José Guerreiro é uma incógnita que transmite sensações positivas. Torna-se fácil gostar dele. Pela coragem, pelo atrevimento. Por representar o que Portugal deve ser, mesmo tendo nascido em França.

Não resisto e avanço com o relatório prematuro, tal como Pedro Barbosa: Portugal ganhou um lateral para o futuro. Não me apoio na qualidade inata, mas sim na atitude. O essencial.

PS: antever um futuro brilhante para Raphael Guerreiro parece fácil. Aplaudir a estreia de José Fonte na seleção também, face ao seu percurso em Inglaterra. Mas no caso do skipper importa recordar o dia em que muitos deixaram de acreditar nele. Foi em 2006, num improvável hat-trick com dois golos na própria baliza, em Penafiel. Caiu e levantou-se, com mérito, suor e lágrimas. No fundo, para provar que estes palpites não passam disso mesmo: contestáveis probabilidades.