O Fluminense andava em maré de azar quando Nelson Rodrigues se lembrou de culpar «o sobrenatural» numa das suas crónicas.

Dias depois, o escritor e jornalista, fanático do «Flu», recebeu uma carta de um remetente criado pela sua imaginação, que escrevia qualquer coisa como: «Caro Nelson, não é verdade que o sobrenatural esteja a fazer qualquer perseguição à equipa. Aliás, até garanto que no próximo jogo o “tricolor” vai vencer. Assinado: Sobrenatural de Almeida.»

No jogo seguinte, o Fluminense perdeu e Nelson Rodrigues começou uma guerra contra aquele fantasma que lhe mentiu de forma descarada.

O Sobrenatural de Almeida tornou-se numa personagem de culto do futebol brasileiro, responsável pelas maiores sortes e azares e pelas cenas mais inacreditáveis.

Por estes dias, tive a excelente notícia de que uma boa parte obra de Nelson Rodrigues vai ser publicada em Portugal pela editora Tinta-da-china – graças a uma decisão judicial que pôs fim a 35 anos de disputas legais entre os herdeiros do escritor e jornalista.

Finalmente, vou conhecer o Sobrenatural de Almeida.

As crónicas sobre o ilustre fantasma ainda não foram editadas por cá, mas pressinto que ele mesmo já tenha atravessado o Atlântico antes que possamos ler o que quer que seja sobre si.

Anda por aí o Sobrenatural de Almeida, acho. Suspeito até que tenha deixado de «torcer» contra o Fluminense no Maracanã para assistir aos jogos FC Porto nesta sua estada em Portugal.

Fiquei com essa sensação quando vi, por exemplo, Casillas deixar escapar a bola entre as mãos em Guimarães, oferecendo um golo que hipotecou três pontos – são só mais três dos onze que o FC Porto desperdiçou na Liga só desde que 2016 começou.

Ainda assim, apesar deste e de outros indícios, só no domingo tive a certeza que o Sobrenatural de Almeida terá reservado um lugar cativo no Dragão.

Um golo do Arouca aos 10 segundos de jogo deu-me o alerta, que viria a confirmar com mais de uma hora de jogo. Maicon fez o favor de tornar tudo mais claro.

Minuto 67 do jogo de domingo: o capitão de equipa do FC Porto falha um corte, mas tenta sair a jogar e a fintar dois adversários, apesar de ser o último defesa portista. Perdeu a bola e «ofereceu» a Walter González o 1-2 com que pela primeira vez o Arouca venceu o FC Porto.

Inacreditável? O que aconteceu de seguida é ainda mais espantoso.

Maicon agarrou-se à perna, alegou uma lesão e de imediato decidiu promover a sua substituição, encaminhando-se a passo para a linha lateral debaixo de um coro de assobios.

Na verdade, vendo com mais atenção toda a cena, encontra-se a lógica de tudo aquilo: o fantasma a puxar o pé de Maicon, que não consegue a «revienga» sobre o jovem paraguaio... O capitão portista mão na mão com o Sobrenatural, que o levava pelo campo fora sem ele dar conta… E o público a assobiar, porque percebe pouco destas coisas do esoterismo e não encontrou explicação para a atitude de ver um jogador seu alhear-se de um jogo (e de um campeonato?) perdido.

No fundo, é isso.

A culpa não é do Maicon. É do Sobrenatural de Almeida.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.