Tens olheiras carregadas. É o teu tributo às noitadas a ver bola, a trocar mensagens, a consultar o feed e a sentires-te parte de uma discussão global. Estão aí as férias, a praia, os concertos, mas já sentes a falta dos sobressaltos, da angústia, da expectativa. Sentes falta de tomar partido. De escolher cores, de adotar hinos. De procurar um sentido moral e estético para cada bola que entra ou bate na trave. E, principalmente, sentes falta do assombro, do espanto puro e maravilhado por gestos nunca antes vistos.

Esperaste por isto durante muito tempo. Depois chegou e conseguiu continuar a surpreender-te, apesar das expectativas serem absurdamente altas. Agora foi-se embora. E tu, com o disco duro saturado de memórias que o tempo tratará de filtrar, dás por ti a antecipar a ressaca, com palpitações de agarrado.

Esses momentos, esses flashes, essa disponibilidade para o espanto devem acompanhar-te pelo resto da vida. Guarda-os bem: embora hoje pareça difícil acreditar nisso, vão definir o melhor que há em ti, para sempre. Mesmo muito depois de o futebol perder a importância que lhe dás hoje. Podes ter a certeza, nunca mais se volta a recordar coisas com a mesma intensidade de quando se tem 14 anos. E no fundo é só isso, um Mundial: uma máquina de criar memórias que, a cada quatro anos, nos faz voltar aos 14, para um mês de domingos entre junho e julho.