Vou começar este texto a concordar com Bruno de Carvalho. Há alturas em que é preciso dizer basta.

Se o mundo comenta a selfie de Obama no funeral de Nelson Mandela e delira com a selfie de Ellen DeGeneres nos Oscars, não consigo deixar de questionar como ninguém parece querer saber da melhor selfie de todas: a de Ronaldo ao Compostela. 

Pegar numa câmara, preparar a melhor duckface e disparar é para meninos. Literalmente. Homens a sério pegam numa bola e decidem jogos. No futebol, uma selfie é o que fez Ronaldo.

Por isso, não tenho dúvidas: aquela é a minha selfie de eleição. É verdade, não tenho idade para selfies do Maradona. Por isso recuo apenas a 12 de outubro de 1996, dez anos depois de o «barrilete cósmico» deixar o mundo (e um narrador quase afónico) a perguntar de que planeta veio.

Ronaldo era, por aquela altura, o homem a seguir. Num Barcelona aportuguesado, com Figo, Couto e Baía. Um Barça que não era a máquina de Guardiola, mas tinha Guardiola a mandar. Lá dentro, com Luís Enrique, De La Peña ou Popescu.

Mas os flashes eram de Ronaldo. Sobretudo aquela selfie, retwitada de boca em boca nas ruas, nos cafés, nas escolas e no trabalho. Ninguém contou, que pena, pois teria batido o recorde da Ellen.

A selfie de Ronaldo ao Compostela foi perfeita. Em zoom, claridade e mistura de cores. Mas acima de tudo em potência, inteligência e habilidade com bola.

Foi tão grande que cresceu com o tempo. Um fenómeno. Apostava-se que tinha deixado para trás meia equipa, juravam a pés juntos que eram oito, nove os atónitos vestidos de azul celeste.

A televisão da cozinha, o Youtube da altura, não permitia tantas repetições. A Diciopédia não tirava as dúvidas e o mito crescia. Foram quatro, afinal. Um deles driblado duas vezes. Mas foi brilhante.

Aqueles pés, os mais dourados de 1996, mereciam uma foto à beira-mar com o horizonte em ponto de fuga. A fuga para a vitória do maior génio da bola da era pós-Maradona e pré-MessiRonaldo, o futebolista perfeito do seculo XXI.

Eu fiz a minha parte, confesso. Partilhei. Caprichei nos detalhes. Lembrei Robson de mãos na cabeça. Mourinho, mais escondido, talvez mostrasse o punho com o polegar a apontar para cima: Like!

O mito cresceu, a memória perdurou e o tempo volta a parar para aqueles 10 segundos de magia a cada clique no Play. Fica a recordação. E um tópico de luxo para o Linkedin do Fenómeno.

E, por fim, a certeza. Ronaldo só perde num ponto para Ellen: não tinha consigo a Jennifer Lawrence.



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