Deve ter sido das minhas primeiras apostas.
 
Vinte escudos, nem mais nem menos. Aquilo era mais pela piada do que pelo valor.
 
Estávamos em maio de 1999, estava a chegar a final da Liga dos Campeões e eu andava encantado com aquele Manchester United. Achava que o mundo nunca tivera uma dupla tão letal como Yorke-Cole, projetava um futuro brilhante para Beckham, longe das passerelles, e acreditava que Giggs ainda seria capaz de jogar àquele nível mais uns cinco aninhos. 

Nunca fui – e ainda hoje não sou – de torcer por equipas estrangeiras. Não tenho, como muitos, uma preferência em Espanha, outra em Inglaterra ou Itália. Ou melhor, até tenho, mas varia de ano para ano. 

E aquele era o ano do Manchester United. Tinham-me conquistado nas meias-finais, com a vitória em Turim, com a Juventus, numa reviravolta de 2-0 para 2-3. Um aperitivo, sabe-se agora. 

Tinham sido campeões, tinham ganho a Taça uns dias antes. Nada os ia parar naquela final da Champions. 
 
Foi por isso que nem hesitei em estender a mão ao Ricardo. Vinte escudos no Manchester United. Ele avisou-me que o Bayern Munique também não era nada mau. Tinha boa equipa, podia fazer mossa. 

Vinte escudos no Manchester United, respondi. Fechado. 

E o Manchested United desapareceu. Não aguentou a pressão daquela aposta de recreio, entrou espantado no Camp Nou e foi engolido na onda alemã. 

Só me apercebi, confesso, algures na segunda parte. Vi, claro está, o golo de Mario Basler mas imaginei que seria apenas o primeiro capítulo da história. Aguardei pela reação. Paciente e tranquilo. Com alguma sobranceria, admito.

Na segunda parte lembrei-me da aposta. Os ingleses não reagiam e os alemães massacravam. Uma bola no ferro. Outra bola no ferro. Uma goleada sem aquela parte importante de meter mesmo a bola na baliza. 

Ainda houve tempo para tirar o Matthaus, para o aplauso. E ele sorria no banco enquanto eu via a vida a andar para trás. Não eram os vinte escudos, era o orgulho. Não podia estar errado. Não podia ser enganado. Era a minha esposa a trair-me e eu a ver. Não pode ser verdade. Não pode ser só isto. 

E os alemães carregavam. E não marcavam. Devia ter percebido, logo ali, que aquilo podia fazer a diferença. Não percebi. 

Só o fiz quando o Schmeichel subiu naquele canto e, como acontece sempre nestas alturas, a bola foi ter com ele (a sério, façam uma estimativa e vão ver que a bola vai quase sempre ter com o guarda-redes que sobe à área).  Confusão, bola para trás, remate enrolado, emenda de Sheringham e golo. 

E de repente havia vida. E os vinte escudos brilhavam. E talvez dê no prolongamento. E, a melhor parte, eu vou ter razão. 

Ainda estava neste turbilhão de pensamentos e Solskjaer faz o segundo. Demorei dois segundos a assimilar e quando ia erguer os braços a realização focou Kuffour. Fiquei sem sangue. 

Eu estava radiante pelos vinte escudos (mas acima de tudo porque ia ter razão, reforço) e aquele ganês de um metro e oitenta parecia um bebé. Deitado no relvado, a chorar e a bater com o punho na relva. 

A imagem do sofrimento é Kuffour em Camp Nou. 

E foi por isso que, no dia seguinte, quando o Ricardo me deu os vinte escudos eu peguei neles, juntei-os a outras moedas parecidas e comprei um bolycao. 

Ok, aquilo tinha sido chato para Kuffour mas eu ainda precisava de lanchar. 

Sorry, bro. 

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