Apaixonei-me em 1994. É verdade que já havia ali qualquer coisa. Uma atração, um interesse. Amor, contudo, foi naquele verão. Dizem que é a altura propícia, não é verdade? O certo é que veio e não partiu. Ficou até hoje. Para sempre, acredito. No verão de 1994, o calor americano fez despertar em mim, de vez, a paixão pelo futebol.
 
Portanto, ao contrário de muitos, comigo não foi um clube a levar-me a admirar este universo da bola. Quando Baggio devolveu ao céu o presente que os deuses nos deram para ocuparmos o tempo (e a vida), já eu fazia contas de cabeça. Faltavam dois anos para o Europeu.
 
Despertei para o futebol pelo encanto dos torneios de seleções. Naquela altura, de resto, era ali que estavam os melhores dos melhores. Os clubes não eram a seleção do mundo que hoje são. As seleções não eram os clubes que hoje tentam ser.
 
Carlos Queiroz disse, numa entrevista recente, que quando confessou a Alex Ferguson a vontade de deixar o Manchester United para ser, de novo, selecionador de Portugal, o escocês não achou piada: «Dizia que o trabalho do selecionador é o de um homem contra a nação e de uma nação contra um homem.»
 
E é. Julen Lopetegui pode não agradar a todos, mas terá sempre no seio portista um núcleo que o defenderá. O mesmo acontece com Rui Vitória ou Jorge Jesus. Quando as coisas correram mal, quem ficou do lado de Queiroz ou Paulo Bento? Quem segura Fernando Santos se a crise vier?
 
Eu não bato na seleção. Não bato por respeito à paixão pelo futebol. Por respeito ao futebol puro que, julgo, nos tempos que correm só ali se encontra. Nem sou só eu que digo. Os próprios selecionadores costumam lamentar o pouco tempo para trabalhar os atletas. No fundo, e passe o exagero, é escolher os melhores, definir uma estratégia e eles que façam o que saibam.
 
E deixar um jogador fazer o que sabe é o bem mais escasso do futebol moderno e o que mais saudades me traz de outras eras em que não se falava em amarras táticas, jogadores multi-task ou da necessidade de controlar a irreverência. Como se o mais racional não fosse Maradona ter dado para o lado depois de se virar para o meio campo inglês.
 
É verdade que há jogos sonolentos. Como em qualquer Liga. É verdade que há noites menos inspiradas. Como para qualquer génio. Mas depois há memórias eternas nos Mundiais e um Brasil 2014 a tocar nos píncaros do futebol paixão.
 
Os jogos das seleções são a ténue linha que nos liga ao futebol de outrora. De amor à camisola, de jogar por prazer, pela vontade de mostrar que sou melhor. Arrepia-me a espinha quando alguém diz que a sua seleção é o seu clube. Por não entender que são coisas completamente diferentes.
 
O clube é a fixação, cega quantas vezes, por um grupo de homens com objetivos bem diferentes do que os seguem. A seleção é a paixão pela origem de um fenómeno, por um objetivo comum a todos, executantes e espectadores. Por um amor de longa data.
 
Por um país? Talvez. Mas, acima de tudo, pelo futebol.
 
«Cartão de memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Por vezes sério, por vezes leve. Como o futebol, no fundo. Pode questionar o autor através do Twitter.