Se bem me lembro, era assim: um presidente, um vice-presidente e alguns diretores, assim só, sem cargo específico. Um deles podia ser o delegado, também. Serviam para tratar da papelada e essas coisas necessárias para os miúdos jogarem à bola. Depois havia a equipa técnica. Um treinador, um adjunto - homem da casa quase sempre - , um treinador para os guarda-redes e, em alguns casos, um preparador físico.

E era isto. Pelos nomes e não em grupo. A quase todos era pedido um ponto fulcral: identificação com o clube. Um deles não tinha de ser assim. Provavelmente por ser o ponto-chave de tudo isto a que, agora, se começou a chamar estrutura, o treinador era alguém que se ia buscar para colocar a equipa a jogar futebol. Simplesmente. E, talvez por ter em mão tão nobre missão, era aquele a quem era permitido não sentir tanto o clube. Por dentro, atenção, pois por fora era mais um na engrenagem.

Isto não mudou mas, nos dias de hoje, o papel do treinador perdeu peso. Pelo menos em alguns pontos geográficos.

Recuemos a 2011. O FC Porto conquistara quatro títulos mas ficara em choque com a saída surpreendente de André Villas-Boas. A reação imediata foi dar o lugar a Vítor Pereira, o adjunto que decidiu não acompanhar o líder na aventura londrina.

A generalidade da crítica interpretou a aposta em Vítor Pereira com o assumir de que no FC Porto, mais importante do que o treinador, era, então, a estrutura. Algo que já Jesualdo Ferreira teve de driblar, mas que atingiu outras proporções naquele ponto.

Começou-se, ali, a dar um foco demasiado largo àquele que, anos antes, era apenas o tal grupo que tratava da papelada para os miúdos jogarem.

Os dois títulos ganhos, numa altura de recursos inferiores aos do Benfica, provaram que Vítor Pereira tinha dedo de treinador. Não tenho a certeza que, dentro do FC Porto, a opinião tenha sido a mesma. Não sei se por desleixo ou deslumbramento da tal estrutura, o processo de saída do treinador não deixou claro que o FC Porto fazia assim tanta questão de o manter. Saiu, veio Paulo Fonseca, um travão nas contratações e o campeonato fugiu.

O holofote virou-se, então, para a estrutura do Benfica. Que venceu o primeiro título quando tinha, de longe, a melhor equipa em Portugal, e o segundo, à semelhança do que fizera Vítor Pereira, com recursos inferiores ao rival mais direto. Dedo de treinador? Também aqui tenho dúvidas que a opinião, dentro do Benfica, tenha sido essa. E repito: não sei se por desleixo ou deslumbramento da tal estrutura, o processo de saída do treinador não deixou claro que Benfica fazia assim tanta questão de o manter.

O ano está a meio e ainda é cedo para fazer um balanço das consequências da saída de Jorge Jesus do Benfica, mas, no Sporting, até ver, a aposta está a ser ganha. Em cheio, diria mais.

A cada vitória (e só em Clássicos já vão quatro) Jesus dá um pontapé na ideia descabida de que uma estrutura, por si só, pode ganhar um campeonato. É mesmo preciso um treinador.

É ele que tem a ideia, que a coloca em prática, que tira o máximo de cada um. Que motiva, que altera, que diz o caminho a seguir. É ele que perde, sabemos bem, mas também é ele que ganha. Quanto muito, com a equipa. Nunca abaixo dela, algumas vezes acima.

Os outros, por muito que se ponham em bicos de pés, só tratam da papelada para que os miúdos possam jogar.

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