Como tudo na vida, o comentário desportivo tem as suas falácias. Coisas que se vão dizendo com a ideia que traduzem a verdade mas sem pensar, a fundo, no seu significado. Muitas vezes são mentira.

A história só guarda os vencedores, por exemplo. Nada mais falso. Quem só se interessa pelos vencedores são os livros de estatísticas. E quem quer ler uma lista quando pode espreitar um argumento? Quem prefere ler a sinopse a ver um filme?

A história é memória. E, na verdade, a história tem lugar para vencedores e vencidos. A Hungria de 54. A Holanda de Cruyff. O Brasil de 82. Exemplos não faltam.

Urge acabar com a sentença cruel de que o segundo é o primeiro dos últimos. O segundo é o segundo. O segundo melhor, apêndice que lhe dá todo um novo toque de elegância. Há poucas palavras tão belas ditas em português como melhor.
 
Não é preciso ser o melhor para se ser lembrado, insiste-se. E é aqui que me lembro de Lima.

Chegou ao Benfica e ficou atrás de Cardozo. Era o Tacuara. Ídolo de muitos (mal-amado por outros tantos).Mas já com muitos golos e vitórias com aquele símbolo. Lima foi a sua muleta quando Saviola perdeu gás.

No ocaso do paraguaio, emergiu Rodrigo. E passou Lima. A todo o gás, até Valência.

Veio Jonas e a qualidade (e os golos) conquistou logo os adeptos. Lima foi, de novo, remetido para segundo plano.

Para ser o primeiro dos últimos? Para ser o segundo melhor. Quem diz? A memória de todos os que viram. É ela que faz dos primeiros dos últimos os segundos melhores.

A diferença da história para um mero livro de estatísticas ou recordes é a memória.

As estatísticas dizem-nos que Jardel marcou 42 golos em 2001/02. A memória sublinha-nos o papel que o «pai» João Pinto desempenhou nesse ano. As estatísticas dizem-nos que a Argentina ganhou 2-1 à Inglaterra em 86. A memória guarda a melhor parte, com a «mão de Deus» e o golo de «D10s».

As estatísticas vão dizer, provavelmente, que Lima nunca foi o melhor marcador da Liga. Figura de proa no Benfica. O melhor. A memória vai lembrar-nos o papel decisivo em dois dos títulos de Jorge Jesus, se esta época terminar de forma normal.

Há jogadores assim, que se dão bem na sombra, mas brilham na mesma. Como num sketch do Gato Fedorento, sobre o tipo que não era «muito ambicioso». Não desejava o melhor bife, chegava-lhe o segundo melhor. Não queria viver «à grande e à francesa», preferia «à média e à belga».

Se Lima não pode ser o melhor, que seja o segundo melhor. Ou o terceiro ou o quarto. É indiferente. Acredito que a memória o guardará no canto dos grandes avançados do futebol português que nunca estiveram no trono da Liga. Como João Pinto, Kostadinov, Derlei, Nuno Gomes ou Falcao.

É bem melhor do que na gaveta das estatísticas.

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