Parece que ouço daqui os clicks de sacrilégio…Calma!

Acho que a humildade é uma enorme virtude e, se não tiver outra, que consiga encaixar essa no meu perfil. Portanto, e numa altura em que já tanto se disse sobre o génio holandês que partiu na passada semana, entendo que tenho pouco a acrescentar.

O meu sempre é curto de mais e Cruijff está muito longe de entrar nas minhas memórias dos relvados, onde, porém, tem via aberta um outro holandês, a quem o universo futebol também deve alguns momentos felizes.

Falo, naturalmente, do classe. Perdão, do Dennis Bergkamp. Peço desculpa, confundo sempre os nomes.

Porquê Bergkamp? Em primeiro lugar porque merece. Todos os motivos são bons para recordar um dos mais talentosos jogadores das últimas décadas. Para mim, o melhor holandês que vi jogar.

Ora, o que mais me chateia em Bergkamp é a indiferença. Explicando: a escassez de referências. Como se, de facto, houvesse assim tanta gente melhor que não valesse a pena colocar no top das memórias de sempre aquele toque de bola dos deuses.

A Holanda é o país que eu considero o nosso irmão do quase, não fosse aquele «acidente de percurso» em 1988. E que mistura alegremente Bergkamps com Bogardes, Seedorfs com Babels e por aí fora. Como nós, queiram vocês apontar os exemplos.

Ainda há dias olhava para o que é esta Holanda, que ficou à porta de um Europeu que terá a Albânia, a Islândia, a Irlanda do Norte, Gales, a Hungria (fico por aqui que já perceberam a ideia…), e notava a ausência de homens de outras eras. Enquanto se agarram aos resquícios de Sneijders e Robbens e esperam por algo dos Depays desta vida, fica a certeza de estarem num período de menor fulgor.

Um período em que não há um Bergkamp e, se não há um Bergkamp, não há magia. Nem sonhos. Nem suspiros de prazer. Nem olhos arregalados de espanto. Nem classe.

Bem que a Holanda, que por estes dias ainda chora a partida da figura mais importante que deu à história do futebol, precisava de um simples Bergkamp, o tal que ninguém lembra, que indicasse o caminho.

Nem que esse caminho seja uma rotação perfeita sobre o defesa do Newcastle, três toques sobre o defesa do Leicester antes do disparo fatal ou, até, apenas dois, sobre Ayala, ao minuto 90 de um Holanda-Argentina.

Se as injustiças do futebol se medissem em Bolas de Ouro, Dennis Bergkamp não ter nenhuma estaria a roçar no topo, a sorrir para Michael Owen, talvez.

Tão importante como a meta que traçamos é perceber se é real ou utopia. Se a Holanda, que hoje vive amargurada em busca de uma nova estrela, passar os próximos tempos a sonhar com um Cruijff talvez deixe passar um Bergkamp. E recuso-me a acabar este frase com um «que já era bem bom».

Porque se Cruijff foi um génio com todas as letras, dentro e fora do campo, Bergkamp conseguiu, à sua maneira, no relvado, marcar uma era.

E à bola da injustiça de todos os que o esquecem na hora de lembrar os melhores de sempre, ele há de dominar com a ponta do pé, antes de os tirar da frente e rematar para o golo.

«Cartão de memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Por vezes sério, por vezes leve. Como o futebol, no fundo. Pode questionar o autor através do Twitter.