«Bem-vindos a Itália!» A tarja gigante que irrompia nas bancadas assinalava a receção ao Nápoles de Maradona pelos adeptos da Juventus.

Os napolitanos e todo o Sul de Itália são historicamente vistos por boa parte dos compatriotas como um outro «país»: pobre, sujo, com promíscuas ligações ao mundo do crime e, além de tudo, como os aproveitadores da riqueza que o Norte industrializado produz.

Maradona virou o jogo quando vestiu a camisola 10 e empunhou a bandeira do Sul renegado para levar o Nápoles à conquista dos seus únicos títulos italianos – em 1987 e 1990.

Só agora, 26 anos depois, os napolitanos voltaram a ser «campeões de Inverno» e têm aspirações a lutar até ao fim pelo scudetto (lideram o campeonato à 21.ª jornada), quebrando uma série de quatro títulos consecutivos da Juventus (a principal perseguidora, a dois pontos).

Quando o país em forma de bota era o centro do mundo do futebol, o Nápoles acertava no relvado contas com os seus poderosos rivais. O mais antagónico era a Vecchia Signora que é desde 1923 propriedade da família Agnelli, dona Fiat, símbolo da indústria de Turim e da conexão bem-sucedida entre o futebol e um setor empresarial pujante.

O Nápoles será sempre de Maradona, contratado em 1984 ao Barcelona alegadamente com dinheiro da Camorra, mas a equipa com mais adeptos em Itália também tinha o seu número 10 de eleição: Michel Platini, astro de uma equipa financiada pelas receitas do grande construtor automóvel.

Começavam logo aí as diferenças entre os dois artistas, símbolos de Itálias bem distintas, que se prolongavam em campo.

Maradona, quente como o Sul, génio do drible e mago com a bola nos pés, apaixonava quem o via jogar – jogava com o coração.

Platini, frio como o Norte, mas mestre do passe e da visão de jogo, tecnicista e cerebral.

«Sempre fiquei com a imagem que Platini não se divertia a jogar futebol. Era muito frio, demasiado», recorda Maradona na sua biografia « Yo Soy El Diego».

Quando Platini e Maradona deixaram os relvados, as diferenças entre ambos acentuaram-se a ponto de se tornarem quase opostos.

El Pibe tornou-se num contestatário da FIFA, rebelde, mas também num errante, que se arrastou pelos relvados, tropeçando uma e outra vez na dependência das drogas, em escândalos de violência e problemas de saúde.

Platini, já engravatado, ascendeu nos corredores do poder como respeitável executivo do dirigismo desportivo: de diretor-executivo do Mundial de França, em 1998, passou para a presidência da UEFA em 2006. Até que nos últimos meses decidiu avançar para a sucessão de Blatter no cadeirão da FIFA… E a sua reputação caiu como um castelo de cartas por causa de um escândalo de corrupção – um pagamento injustificado de dois milhões de euros de Blatter a Platini, em 2011, ditou a suspensão de ambos por oito anos.

Em « La Vida Tombola», um entre dezenas de temas musicais inspirados no génio de Maradona (que eu saiba Platini só deu o mote a uma canção do francês Julien Doré), Manu Chao cantava: « Si yo fuera Maradona… Saldría en mondovision… Para gritarle a la FIFA… ¡Que ellos son el gran ladrón!»

Há dias, Maradona apareceu sorridente, envergando uma t-shirt de um azul napolitano com a imagem de uma face em mutação entre Blatter e Platini sob duas palavras, em jeito de provocação aos velhos rivais: 

«Dois ladrões.»
 


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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.