De Mogi das Cruzes a Rosário são 28 horas de distância. Quem fizer a viagem, que começa no Brasil e termina na Argentina, demora mais de um dia para percorrer 2 200 quilómetros. Não precisará, porém, de se desviar da rota para parar e pernoitar em Salto, nas margens do Rio da Prata, antes de atravessar a segunda fronteira do caminho.

Um dia esta localidade uruguaia com pouco mais de 100 mil habitantes – geminada com Penafiel por influência dos muitos lusodescendentes com origem no concelho duriense – receberá quem a visita com uma grande placa cravada nos seus arrabaldes… «Bem-vindos a Salto – Terra de goleadores.» Seria um lema merecido para a cidade-natal de Luis Suárez e Edison Cavani, que, tenho fé, será elevada à condição de lugar sagrado pelo seu contributo para o futebol charrúa.

Rosário e Mogi das Cruzes – onde nasceram Messi e Neymar – ficam nos extremos do itinerário, com Salto ali pelo meio. Tudo em linha reta – tome nota, para não se perder.

Desde que em 2014/15 Luis Suárez passou a coincidir com Messi e Neymar no ataque do Barcelona, o trio MSN marcou 175 golos (64 de Messi, 63 de Suárez e 48 de Neymar): mais de três quartos dos 228 que a equipa marcou no total.

Os números impressionam, mas são apenas o detalhe que emoldura a arte com este trio tem pintado a história do futebol.

Há dias, Cristiano Ronaldo, que merece todos os louvores por se bater com os prodígios blaugrana, afirmava que a sua sociedade com Benzema e Bale, num Real Madrid que há dias se «despediu» da luta pelo título espanhol, não precisa de fortes laços de amizade longe dos relvados para se entender dentro do campo.

A explicação de Cristiano peca por defeito.

Talvez a justificação que nos escapa a todos é de que não é possível traçar uma linha reta entre as ruas onde na infância se forjaram os talentos do trio BBC.

Do Funchal até Lyon o traço ainda segue firme, apesar de não haver caminho terreste, mas depois a mão tem de guinar para noroeste e atravessar de novo o mar até chegar a Cardiff.

O desafio é impossível de cumprir com qualquer outro trio do futebol mundial que não seja MSN.

A conjugação de astros com que habitualmente se explicam os fenómenos pode, no caso do entendimento perfeito e quase sobre-humano do trio do Barça, ser afinal explicada por um alinhamento das coordenadas.

Este tridente não é do diabo. É divino. Caiu-nos do céu. Como se Deus, numa fase de menor fervor futebolístico, tenha resolvido acabar com o aborrecimento e traçando no mapa o destino dos três em conjunto.

No mapa, uma linha a direito, com Mogi e Rosário no extremo e Salto pelo caminho.

Em campo, Messi e Neymar pelos flancos e Suárez ao centro, sempre que os três não decidirem trocar-nos as voltas... Como ontem, contra o Arsenal, quando começaram a resolver o jogo num contra-ataque retilíneo, a síntese de um perfeito entendimento comum. 

E pensar que por um erro tão terreno como o de se ter esquecido do passaporte em casa Luis Suárez quase perdeu a viagem para Londres...

Desta vez, coube a Messi em dois lances praticamente decidir a eliminatória e dar mais um passo para outro longo percurso que tem a final da Liga dos Campeões em Milão como destino.

Esta jornada memorável para o futebol mundial segue dentro de momentos...

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.