O M´Bolhi empurrava-nos para a frente. Parecia possuído, um gigante de braços enormes, capaz de deter tudo e mais alguma coisa vinda da equipa que não concede perdão. A racional e fria Alemanha não desculpa, não relaxa, não deixa passar. Kroos, Lahm e  Klose não mostram misericórdia. Não desperdiçam. Aproveitam tudo. E ainda têm a fantasia de  Müller,  Özil e Göetze, com aquele umlaut por cima para dar um toque especial a um futebol de rolo-compressor. Colecionam erros e destroem-nos antes que consigamos dizer ai. Os portugueses devem lembrar-se bem disso, não é ?  Desculpem, não quis ofender. Estávamos avisados de todos os ditados, de tudo o que se diz da seleção que nunca perde. Ou que ganha sempre no fim, que vai dar ao mesmo. Fomos intensos. Roubámos bolas. Corremos mais rápido. Chegámos primeiro. Durante 20 minutos, talvez mais, eles não perceberam o que lhes caía em cima. Pressionámos a partir do nosso meio-campo e soltámo-nos em estocadas que, estava escrito, seriam fatais. Empurrámos a poderosa Mannschaft para trás. E aí estava Neuer, que nos aguentava a todos, a nós e a eles, numa manifestação de força incrível, à frente da sua área. Não, leram bem: não foi à frente da baliza, mas sim à frente da área. A Alemanha reinventara o líbero. O líbero que muitas vezes fora o médio de movimentos verticais, da posição de trinco para trás dos centrais e vice-versa, conforme havia ou não posse de bola, era agora o seu guarda-redes, a varrer dobras a Mertesacker e Boateng, surpreendidos pela nossa avalanche frenética. O Neuer daquela defesa monumental no Dragão sobre a linha de golo trasvestia-se de Beckenbaeur, de Sammer ou de Augenthaler, usando em todo o jogo mais vezes os pés e a cabeça do que as mãos. Nem precisou de ser guarda-redes. Eu senti naquele corte junto à linha lateral, quando estávamos só os dois, a mensagem que ele nos dava. Eu, Slimani, senti que ele estava à espera de nós desde o primeiro minuto. E, mais cedo ou mais tarde, alguém ia ultrapassar o M´Bolhi e estaríamos perdidos. Foi só no prolongamento, e demos tudo. Não fizemos história, passámos ao lado. Ninguém vai levar-nos a mal. Vão aplaudir-nos. Vamos regressar em festa. A única coisa que lamento, em 120 minutos, é que podíamos ter percebido antes, sobretudo enquanto tínhamos força para levantar a cabeça, que o nosso adversário todo-poderoso estava a jogar sem guarda-redes...

«Não crucifiquem mais o Barbosa»    é um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo.        É inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo»   . O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na        MFTotal   . Pode segui-lo no        Twitter    ou no        Facebook   .