Despeçam-se do Kaiser de Michoacán e de Zamora, que chegou a ser proclamado Duque de Cataluña. Despeçam-se deuses do futebol de quem não vos deu mais porque não pôde. Suor. Sangue. Lágrimas. E um pouco de talento. Entregou-vos tudo. Sinto-me grande no adeus, sinto que fui o maior da minha tribo. Mas o México efervescente de Miguel Herrera, o México de Giovanni e do outro Herrera, o México de Peralta, Chicharito e Guardado, e sim o México de Rafa Márquez, sobretudo esse, hoje caiu. Lutou, jogou, foi derrubado e levantou-se durante 88 minutos. Até que, com honra, sempre com honra, perdeu o duelo debaixo de um sol abrasador. Hoje, infelizmente, saiu ferido e perdeu. O nosso México andou pelo Mundial a divertir-se como mariachi, a intervalar música com tequilla e enchiladas. Andou a dançar nas bancadas, sempre disposto a mais um olé. A mais uma hola. Fomos nós que a inventámos, não nos levem a mal. Nós somos assim, gringos! Foram quase quatro jogos a mostrar quem fui, quem ainda sou, aos 35 anos. Sei que não será por muito mais tempo. Sei que não haverá outro Mundial. Sei que me despedi sem conseguir suster uma avalanche, sei que deixei o Robben tropeçar no meu pé e voar para o penálti. Assim que sentiu o toque, aquele raspão, foi tão pesado como o cristal de que dizem que é feito. Esbracejou. Gritou. E caiu. Sem partir. Fomos nós que nos estilhaçámos. Eu primeiro, depois todos com Ochoa. O Kaiser de cristal... Oh, dissemos que não. Reforçámos que não, mas o portuga marcou mesmo o penálti. Nós somos os das cidades a ferro e fogo, os das grades nos supermercados, dos tiros a meio do dia nas ruas. Os de fora não podem sair sozinhos. Pagamos dízima para viver, para sobreviver. Um dia de azar pode ser uma bala perdida.Somos duros, feitos de aço inoxidável. Mas, habituados a isto tudo, deixámos que nos assaltassem no fim. É o sofrimento de sempre, chicos. O capitão despede-se de vocês, quatro Mundiais depois. É a vez de outros seguirem estas pisadas. Mas, se virem o Robben, recolham o pé. Vão por mim! Pode ser que desamparado se desfaça em cacos.

«Não crucifiquem mais o Barbosa»  é um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo.    É inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo» . O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na    MFTotal . Pode segui-lo no    Twitter  ou no    Facebook .