Uma crónica iniciada só com perguntas pode não respeitar os conselhos dos manuais, mas dá conta da enorme subjetividade que implica avaliar o sucesso do desempenho desportivo de uma grande equipa ao longo de uma época.

Nos últimos dois anos, por esta altura da temporada, o Benfica de Jorge Jesus parecia ter condições de poder vencer quase todas as competições.

Mesmo assim, o técnico do Benfica colocava o principal foco no título nacional, relegando os triunfos na Taça da Liga e mesmo na Liga Europa para plano secundário.

«Nem a Taça da Liga nem a Liga Europa salvam a época»
, admitia Jorge Jesus em abril de 2011. As palavras pareciam proféticas: nesse ano, os encarnados viriam a cair nas meias-finais da Liga Europa, em Braga, e perderiam o campeonato para o FC Porto de Villas-Boas, ganhando apenas a Taça da Liga.

No ano seguinte, 2011/2012, o FC Porto, agora de Vítor Pereira, conquistava o campeonato ao Benfica de Jorge Jesus na reta final. Aos encarnados, sobrava, de novo e apenas, a
Taça da Liga.

Em 2012/13, balanço ainda mais penalizador nos momentos decisivos: o título voltava a recair para o FC Porto de Vítor Pereira (no «tal» minuto 92 de Kelvin), perda da final da Liga Europa para o Chelsea após excelente exibição mas com o 2-1 para os Blues a aparecer também nos momentos finais; e desta vez até a Taça da Liga escapou, para o Sp. Braga de José Peseiro.

O título é, por isso, aquilo que conduz a ação de Jorge Jesus nesta reta final de 13/14, mesmo com um Benfica, mais uma vez, bem colocado para poder sonhar com a presença na final duma competição europeia ou em disputar o triunfo numa das taças.

Champions, Champions, Champions

O acesso à Champions é, cada vez mais, o fator que determina o sucesso duma temporada para um grande português.

O FC Porto que o diga: talvez tão relevante como a perda do título para o Benfica será a perda do segundo posto para o Sporting.

Na Liga portuguesa, a diferença do segundo para o terceiro posto é muito mais do que uma posição de honra, no pódio que se segue ao campeão: define a diferença entrar diretamente na fase de grupos da Liga dos Campeões ou ter que disputar o play-off de acesso.

E como o adversário nesse play-off será sempre uma equipa já com um grau de dificuldade bem razoável, isto quer dizer, na prática, que os pontos na tabela que diferenciam o segundo do terceiro classificado do campeonato podem significar milhões de euros de encaixe.

Caso não se passe o tal play-off, em vez de se aceder à prova milionária, resto a consolação de uma Liga Europa que se mostra competitivamente atraente para os clubes portugueses, mas que continua a proporcionar receitas com valores muito inferiores (numa relação que pode ser de um para cinco, pelo menos de um para quatro) em relação à Champions.

E as taças, senhores?

À luz do que já vimos até agora, será fácil sentenciar que o Benfica está a ter «uma boa época» (seria «excelente» se tivesse conseguido passar da fase de grupos da Champions) e o FC Porto uma «má época» (ver os dragões em terceiro foi coisa bem rara nas últimas três décadas e na era Pinto da Costa nunca tinha sucedido com Benfica e Sporting como dois primeiros).

E onde entram as taças nesta avaliação de uma época desportiva de uma grande equipa?

Sem acesso a uma prova europeia e com valores financeiros cada vez mais precários, a Taça da Liga é, cada vez menos, um prémio prioritário.

A Taça de Portugal, com historial mais sólido e a garantia do acesso a uma prova europeia, dará a Rio Ave ou Sp. Braga um lugar nas competições europeias na próxima temporada, mas parece não garantir nada de muito especial a FC Porto e Benfica.

Vejamos o que sucedeu no encontro da primeira mão das meias-finais: alguém se lembra de um triunfo do FC Porto sobre o Benfica tão pouco festejado pelos dragões? E tão «gerido» pelos encarnados, que deixaram parte da melhor artilharia no banco ou só lançada em fase bem adiantada da peleja?

Para o FC Porto de Luís Castro, o triunfo teve, obviamente, importância, mas de tal modo não serviu de redenção que, poucos dias depois, o dragão voltou a uma estranha sina perdedora, no encontro na Choupana.

Ainda há a segunda mão na Luz, é certo, mas o modo como Jorge Jesus preferiu dar prioridade à «poupança», em detrimento do «resultado», mostra que o Benfica também não olha para a Taça de Portugal como «salvação» seja do que for.

E já agora, outra dúvida em relação à época atípica do FC Porto: ganhando Taça da Liga, Taça de Portugal e, por exemplo, chegando à final da Liga Europa, continuará a ser... «uma época perdida»?

Os sinais de alarme soados ao longo de temporada tão atribulada na casa portista exigirão mudança radical para a próxima temporada, ou um cenário de algum sucesso nesta reta final (ao nível do desenhado no parágrafo anterior) seria uma garantia de continuidade para Luís Castro?

Dúvidas que, nesta fase da realidade portista, talvez ainda ninguém saiba esclarecer.

Sporting: o título já para o ano?

Ausente das competições europeias e eliminado das duas taças nacionais, as contas do Sporting são bem diferentes.

Os leões puderam colocar todas as fichas na Liga. Seria enorme injustiça para Leonardo Jardim afirmar que isso explica uma parte do segundo lugar do Sporting no campeonato. Não explica: o Sporting é segundo porque tem sido mais regular que o FC Porto.

Não deixa, no entanto, de ser curioso que, mesmo só com uma prova, este Sporting de Jardim tenha operado algumas alterações no seu onze, ao longo da época. A principal delas (a perda de titularidade de Montero e consequência afirmação de Slimani) surgiu de um misto entre a perda de produtividade do colombiano e a crescente eficácia do argelino (uma das boas surpresas deste campeonato).

Moral da história: nem só o excesso de jogos obriga os treinadores a mudar. O Sporting deve ter muitos motivos de orgulho pela época que está a fazer.

No caso leonino, a pergunta será bem diferente das que se fizeram acima a águias e dragões: tendo o segundo lugar sido tão positivo para aquilo que o Sporting prometia no arranque desta temporada, não será um grande risco estar já a prometer a luta pelo... título na próxima temporada?

Ou será que, num grande clube português, não há mesmo tempo para esperar?

Para a próxima faço uma crónica sem qualquer pergunta ou dúvida, juro. Com o futebol português como tema dominante, não é fácil.

«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?