Tirambaço: substantivo masculino; Chute violento em direção ao gol. 

Duas notícias.

Surgiram com mais relevo pelos media económicos, passaram meio despercebidas nos desportivos, mas podem afetar o futebol que hoje conhecemos.

O Finantial Times foi um dos jornais que noticiou a primeira: a queda das audências na Premier League, nesta temporada.

Uma tendência que, diga-se, já se via em outubro, quando o Maisfutebol deu conta dela, embora as respostas fossem, nessa altura, poucas. Uma tendência que se via e que perdurou, é bom sublinhar.

No final da época, a Sky TV, a BT e a Broadcasters Audience Research Board, entidade britânica que mede audiências, divulgaram números.

O futebol em direto transmitido pela Sky caiu 14 por cento na temporada 2016/17, em Inglaterra.

A BT, que transmite através da internet, caiu dois por cento. Uma queda menor é certo. Mas mesmo assim uma queda.

Escusado será lembrar, neste momento, que a Sky aumentou, e muito, o valor pago pelos direitos televisivos da Premier League no último acordo.

E que os direitos TV são a principal fonte de rendimento dos clubes ingleses.

E que os clubes ingleses são os que mais dinheiro têm e gastam no mercado de aquisição de jogadores. No futebol, a Inglaterra gasta e os outros vão atrás.

Com a divulgação dos números finais da temporada, a dúvida instalou-se de vez sobre as audiências de TV.

O futebol, último bastião da TV em direto, atingiu o seu pico? O que levou a esta queda?

Não é fácil responder à primeira questão, podemos encontrar nos hábitos a resposta à segunda.

Como é que as pessoas consomem TV? E que pessoas a consomem? Os mais novos? Os mais velhos? Quem decide que serviços comprar?

No Reino Unido, como em todo o lado, há cada vez mais cord cutters. Aqueles que trocam o serviço multicanal do cabo por outros mais baratos, ou mesmo de borla, na internet.

No fundo, em vez de pagarem um canal premium de desporto, as pessoas optam pelo Netflix para ver séries ou por outro produto do género.

A fama dos Youtubers também não surgiu do nada…é ali que os mais novos passam mais tempo.

Apesar deste novo paradigma, a Sky encontrou outras razões para justificar a queda: a ausência de clubes como Newcastle e Aston Villa foi uma delas. Dois dos maiores emblemas do Reino Unido e que, não estando na Premier League, retiraram espectadores.

A Sky até pode ter um argumento válido aqui, mas agora vejamos outro exemplo. A NFL.

Na liga de futebol americano não há descidas, nem subidas de divisão, e este é o campeonato americano comparável com Premier League e a Liga dos Campeões, a nível de audiências/dinheiro.

E o que sucedeu na NFL? As audiências TV baixaram.

Em outubro, a liga defendeu-se dessa quebra. Argumentou com as presidenciais norte-americanas, entre Hillary Clinton e Donald Trump, que desviaram atenções dos telespectadores. E ainda com o facto de algumas das estrelas terem estado ausentes, nomeadamente o reformado Peyton Manning e o suspenso Tom Brady.

Ora, Trump foi eleito e Brady, um dos maiores ícones do desporto americano, voltou e até se sagrou campeão. Os playoffs têm sempre maior atenção do telespectador, mas também desceram em audiências TV. Caíram menos, é verdade, mas caíram também: nove por cento a menos na fase regular, seis por cento a menos nas audiências das eliminatórias.

A segunda notícia.

Veio de Itália, há quase duas semanas.

Na Serie A, como na Premier League, os direitos de TV são centralizados. Ou seja, são negociados em conjunto. E o que sucedeu lá?

Ninguém os comprou (para já).

A Mediaset não apresentou proposta em protesto pelo formato do leilão, mas a Sky Italia formalizou uma oferta. Resposta da Liga: não chega!

«Não achamos que as ofertas recebidas representem o real valor do futebol italiano», disse o líder da Liga, Carlo Tavecchio.

O problema de Tavecchio é que o futebol italiano, como qualquer outro, vale tanto quanto as TVs e empresas de comunicação queiram pagar por ele. E essas firmas estão atentas ao que se passa em Inglaterra e EUA, porque, no fundo, os hábitos de consumo dos italianos não difere assim tanto de ingleses e americanos. Nem de portugueses, já agora.

Até ver, os valores das transferências de jogadores têm aumentado de ano para ano. Sempre a reboque do dinheiro inglês de direitos televisivos.

Por isso, a lógica aqui é simples.

Se as audiências da Premier League continuam a descer, significa que ou o produto deixou de ser tão apetecível como antes, ou que, pelo menos, não está a ser consumido do mesmo modo - a Sky garante que, apesar da queda na TV, subiu os números no online.

Seja por quebra dos números ou por mudanças de hábitos, se a tendência se mantiver, ela levará a um repensar do investimento pelas TVs, que será menor, e, assim, baixarão receitas dos clubes. Estes, com menos dinheiro para gastar, vão conter-se, e possívelmente diminuir o número de negócios: leia-se transferências que, como se sabe, são uma das bases do modelo português de sobrevivência.

Não é expectável que haja alterações imediatamente visíveis, como disse anteriormente. Até porque o último negócio de TV na Premier League, que foi de milhares de milhões, está em vigor e ainda há muitas libras para espalhar.

Em Portugal, as consequências de uma quebra nas audiências seriam mais por via do dinheiro que outros deixariam de ter, do que diretamente relacionados com os contratos assinados recentemente e com validade a pelo menos dez anos, no que toca aos três grandes. 

Ainda assim, convém estar atento ao barómetro da Premier League nos próximos tempos, porque ele pode redifinir estratégias de clubes em quase todo o planeta. A começar por cá.

O Tirambaço é um espaço de opinião do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter