1- O Sporting foi o indiscutível vencedor do dérbi, por números históricos. Por consequência, Jorge Jesus ganhou o segundo «round» do braço de ferro (desportivo, que o legal é tema diferente) que o seu antigo clube teimou em manter com ele. Em primeiro lugar, porque os seus méritos como treinador excedem em muito a sua personagem mediática. Em segundo porque, em todo este processo, desde junho, em vez de trabalhar no difícil virar de página, a comunicação – oficial e oficiosa - do Benfica optou por demonizar o seu ex-treinador, com o objetivo de ilibar Luís Filipe Vieira de responsabilidades na saída. Com isto, não só manteve Jesus no centro das atenções como dificultou ainda mais a tarefa – já de si complicada – de Rui Vitória, o sucessor daquele que o antigo clube nunca tentou esquecer. As metáforas conjugais são demasiado óbvias mas, obrigado a assumir uma herança pesada em nome próprio, depois de uma pré-temporada com outras prioridades, Rui Vitória foi sempre empurrado – mesmo depois da vitória de Madrid - para o papel de «o outro» nesta história: a relação de substituição para um casamento que acabou mal. Assim, neste domingo o Benfica não enfrentou apenas o Sporting mais forte dos últimos anos, mas também todos os fantasmas que foi alimentando com as cartas de desamor escritas ao «ex» ao longo de cinco meses.



2- Não acredito nos dotes mágicos das palavras de treinadores, antes ou depois dos jogos. Acredito, sim, que reduzir as competências de um técnico à capacidade de produzir mind games, à maior ou menor habilidade para frases de efeito, é um dispensável contributo para a superficialidade. É, também, uma desvalorização dessa coisa tão importante e tão pouco sexy, no futebol como na vida: a qualidade do trabalho a cada dia. Isso não invalida que as conferências de imprensa sirvam, muitas vezes, como barómetro da confiança dos treinadores, no seu trabalho e na resposta do grupo. Não foi por causa do deslize verbal de Rui Vitória ( «Amanhã vai jogar uma equipa, que é o Benfica, contra onze jogadores, não sei se é uma equipa ou não») na véspera do dérbi que o Sporting venceu por 3-0 na Luz. Mas, ao entrar, mesmo que de forma involuntária, num terreno há muito ocupado por Jorge Jesus, o técnico do Benfica deu pretexto a uma boa resposta, motivou adversários e passou uma ideia de ansiedade. Que antecipou 24 horas as perdas de bola da sua equipa em zona proibida.



3- Não acho Carlos Xistra um grande árbitro, nem creio que, sem os constrangimentos regulamentares, fosse a escolha ideal para o dérbi. Dito isto, apesar de um trabalho com erros, alguns mais evidentes do que outros, este foi o terceiro clássico da época que chegou ao fim sem que alguém de boa-fé possa apontar o árbitro como responsável pelo desfecho. Já tinha sido assim na Supertaça e no FC Porto-Benfica. Não o vejo como sinal de que a arbitragem portuguesa esteja especialmente bem, mas sim de que o debate em volta dos árbitros se trava por antecipação, para demarcar terreno em caso de desaire. Uma espécie de apólice de seguro para incompetentes que desconfiam do próprio trabalho.



4- Neste domingo as quatro melhores equipas portuguesas da última década jogaram entre si. Pela primeira vez desde o final dos anos 80, três delas não tinham patrocinador na camisola. Os adeptos do Benfica poderão sentir-se contentes por serem exceção. Mas isso seria fixarem-se na árvore sem olhar para a floresta. Por mim tudo bem: não ganho nada com isso e, como qualquer pessoa que começou a ver futebol nos anos 70, prefiro camisolas clean. Mas se isto não é um sinal de decadência e degradação daquilo a que os dirigentes gostam de chamar indústria, não sei que seja. Sugerir que as intervenções públicas e as estratégias de comunicação dos patrões da indústria tenham alguma coisa a ver com isso é capaz de ser abusivo da minha parte. É capaz, é.