Manoel de Oliveira amava o Porto e o Douro, e como qualquer pessoa que ama o Porto e Douro desde o pedaço mais fundo da alma amava também o FC Porto.
 
Confessou-o em 2009, quando recebeu o Dragão de Honra.
 
Tive a sorte de estar lá, na Alfândega do Porto, quando Manoel de Oliveira chegou. Trazia o peso de cem anos acabados de completar poucos meses antes. Arrastava-se com uma mão numa bengala e outra presa ao braço de uma pessoa amiga.
 
Apesar desse peso de cem anos lhe curvar as costas e diminuir o tamanho dos passos, não lhe encolhia o pensamento nem encurtava a emoção.
 
Por isso lembro-me como se fosse hoje de o ver com os olhos humedecidos e brilhantes à porta do salão nobre a falar do FC Porto.
 
«Tudo o que o FC Porto faz toca sempre no meu coração», disse.
 
Faz sentido. Afinal de contas ele amava o Porto e Douro, e como qualquer pessoa que ama o Porto e o Douro desde o pedaço mais fundo da alma amava também o FC Porto.
 
Foi talvez por isso que em 1956, quando fez o filme O Pintor e a Cidade, precisamente sobre a cidade do Porto, não se esqueceu de dar um salto ao Estádio das Antas.
 
Foi num tempo muito antes do FC Porto se tornar um devorador de títulos.
 
Era um filme sem diálogos, só com os sons da cidade: e não faltavam dois tipos de sons, o som dos miúdos a jogar futebol na Praça da Cordoaria e o som das Antas cheias de adeptos, a festejar o título de campeão que o clube ganhou essa época.
 
Manoel de Oliveira colocou-se atrás de uma baliza no último jogo do campeonato, e filmou a alegria do povo: o seu povo, do qual ele fazia tão orgulhosamente parte.
 
Provavelmente por isso, e numa altura em que, como disse, já lhe faltava espaço em casa e tempo na vida, provavelmente por isso, dizia, não evitou o brilho nos olhos naquela noite enquanto falava do FC Porto.
 
Afinal de contas os dois, FC Porto e Manoel de Oliveira, eram no fundo a mesma coisa: filhos ilustres de uma cidade única de tão robusta.

Uma cidade construída em granito, e feita de força e tradição.