«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Nunca vi um golo marcado da flash-interview. Terei presenciado, talvez, a um ou outro autogolo evitável, mas golos – daqueles que contam – nem um.

Parece um absurdo ter de lembrá-lo, mas faço-o tendo em atenção o comportamento de alguns treinadores. Perdem o jogo, perdem as estribeiras e desabafam na cara do jornalista, garantindo que só faltou eficácia à equipa - «só» - e que apenas por manifesta infelicidade o adversário levou os três pontos.

Ou são os golos desperdiçados, ou é o clássico das «duas partes distintas», com a parte má a ser responsável pelo descalabro. Muito afamado é também o tiro ao apito ou, neste caso, tiro ao homem que segura o apito.

O defesa pode fazer a maior porcaria da carreira, o guarda-redes é autorizado ao frango de dimensões avantajadas - «o responsável sou eu, o treinador» -, o avançado atira para as nuvens com a baliza aberta, mas muito raramente há uma justificação lúcida na hora da derrota.

A explicação dada varia entre o básico e o impercetível. Seria tão, mas tão mais interessante ouvir algo mais elementar e mais sério. Algo deste género: «Sim, fomos incompetentes e inferiores, o oponente ganhou bem.» Ainda não é proibido sonhar.

 

Serve tudo isto para chegar a Carlos Carvalhal. E elogiá-lo. Além de não ter jeito nem perfil para justificar o injustificável, o treinador já há uns anos percebeu um dos ensinamentos mais simples e eficazes da arte de bem treinar: é muito feio atirar as culpas para quem não as tem.

Carvalhal, para os mais distraídos, tornou-se um treinador de elite. Na forma honesta de comunicar, nada dado a subterfúgios de má-fé, mas sobretudo na capacidade de colocar todas as suas equipas a jogar um futebol de altíssimo nível.

Podemos discutir o que é, de facto, um futebol de altíssimo nível. Limitamo-nos aos resultados? Seguimos conceitos ortodoxos e preconceituosos, eliminando tudo o que não seja aquilo que idealizamos? Verificamos o rácio investimento vs. sucesso desportivo? Há muito por onde olhar, analisar e refletir.

No meu modestíssimo entender, há vários caminhos para chegar atingir esse patamar de excelência. Fundamental é ter uma mensagem clara e ter a capacidade de levar o grupo de trabalho a segui-la, numa espécie de cegueira coletiva, de seita. «É por aqui, meus senhores, não vale a pena pedirem informações a mais ninguém.»

Carvalhal levou essa mensagem fresca para Vila do Conde e aperfeiçoou-a em Braga. A equipa conhece os processos de olhos fechados, define quase sempre bem em ataque organizado e tem revelado uma evolução surpreendente na reação à perda e na organização defensiva.

O exemplo mais recente e mediático disto que escrevo está nos 3-2 aplicados no Dragão. Uma lição de bom futebol (até à expulsão de Borja) e de camaradagem (depois do vermelho). Ser grande é isto e o Sp. Braga de Carlos Carvalhal é muito grande. É, pelo menos, tão grande como os três grandes no que se refere à competência desportiva.

No campeonato segue no segundo lugar, a nove pontos de um histórico Sporting; na Taça de Portugal está na final; na Taça da Liga foi à final; na Liga Europa caiu contra a Roma, numa eliminatória cheia de contratempos anormais.

Na casa do FC Porto, o Sp. Braga jogou desfalcadíssimo. Iuri Medeiros, Castro, Francisco Moura, David Carmo, Nico Gaitán e Rui Fonte, todos lesionados, já para não mencionar Paulinho, recentemente vendido ao Sporting. O rendimento, como todo o país pôde ver, foi magnífico.

Carlos Carvalhal lamentou na sala de imprensa a falta de análises e elogios ao seu Sp. Braga. Com muita razão. Este artigo chega com uns meses de atraso, mas pelo menos chega com uma convicção redobrada: Carvalhal e o Sp. Braga são muito grandes – e sem pachorra para as desculpas mais costumeiras.

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